quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Ameaças de morte contra os que se opõem ao Complexo Hidrelétrico do Tapajós

A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulga nota pública denunciando os conflitos, no Pará, em torno do Complexo Hidrelétrico do Tapajós e responsabilizando o Estado Brasileiro pelos conflitos, ameaças ou mortes que ocorrerem nas comunidades. Confira o documento:


A Coordenação Nacional da CPT vem a público para denunciar os graves conflitos que já começam a se manifestar em torno ao Complexo Hidrelétrico do Tapajós, no Pará, provocados pela Eletrobrás, Eletronorte e empresas contratadas.
No dia 22 de outubro, a casa do presidente da Comunidade do Pimental, José Odair Pereira, que estava reunido com outros membros da comunidade, foi invadida por quatro pessoas que os agrediram e os ameaçaram de morte. As ameaças se estenderam também ao Pe. João Carlos Portes, da CPT de Itaituba, que apoia os ribeirinhos. O motivo das agressões e ameaças é que as lideranças da comunidade da Vila de Pimental, localizada às margens do Rio Tapajós, no município de Trairão (PA), com aproximadamente 800 ribeirinhos, se opõem ao projeto da Construção da Hidrelétrica do São Luiz do Tapajós.
Anteriormente esta e outras comunidades da região, inclusive aldeias indígenas, foram invadidas por técnicos que, de forma abusiva, desrespeitaram os direitos das comunidades e provocaram conflitos entre seus moradores.
Poucos dias antes, em 17 de outubro, realizou-se na cidade de Itaituba, uma reunião entre representantes da Eletrobrás, Funai e CENEC (empresa encarregada pela Eletronorte de fazer os estudos do EIA RIMA) e 20 representantes do povo Munduruku do Alto, Médio e Baixo Tapajós. Essa reunião aconteceu porque anteriormente os índios haviam impedido os técnicos da CENEC de fazer os trabalhos de pesquisa em suas terras. Tratava-se de conseguir sua aprovação para os estudos. Mas os índios mantiveram firme sua oposição às obras. A representante da Funai, Martha Montenegro, de Brasília, pressionou-os chegando a afirmar que mesmo sem suaaprovação os estudos iriam continuar e que caso eles reagissem, o governo poderia colocar a Força Nacional para garantir a continuidade do trabalho. 
Diante disto, a Coordenação Nacional da CPT presta sua solidariedade às comunidades ribeirinhas e indígenas que lutam para preservar seus territórios e seus modos de vida e que por isso sofrem ameaças. Nossa solidariedade particular às lideranças que são agredidas e ameaçadas, em especial ao nosso irmão e companheiro Pe. João Carlos Portes.
A situação de conflito e de agressão aos direitos indígenas e de outras comunidades tradicionais que se perpetraram em Rondônia em torno às Hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, e na região de Altamira, no Pará, em torno à construção da Hidrelétrica Belo Monte, se repetem nas obras do Complexo Hidrelétrico do Tapajós. Ao desenvolvimento sacrificam-se apreservação da natureza e do meio ambiente, o mais elementar respeito aos territórios dos povos indígenas e das comunidades quilombolas, extrativistas, ribeirinhas e outras muitas, e a própria vida humana. As pessoas que vivem na região, até muito pouco tempo atrás desconhecidas e invisíveis, agora diante dos interesses econômicos são consideradas simplesmente como “entraves” ao desenvolvimento e ao progresso. As usinas do Complexo Hidrelétrico do Tapajós serão, como tantas outras, empurradas goela abaixo do povo da região sem se resguardar sua história, sua identidade e seus valores ancestrais.
A Coordenação Nacional da CPT vê com muita preocupação a subordinação da Funai, que deveria defender os povos indígenas e seus territórios, aos interesses das grandes obras, pressionando pela concordância deles. Vê também com igual preocupação a fala da presidenta Dilma, que na inauguração da Hidrelétrica de Estreito, na divisa do Maranhão com Tocantins, disse “Eu me orgulho muito do setor elétrico no Brasil, eu me orgulho desses empreendedores”. Empreendedores que, na busca de lucros cada vez maiores, tratoram comunidades e vidas humanas.
A CPT responsabiliza o Estado Brasileiro pelos conflitos, ameaças ou mortes que ocorrerem nas comunidades afetadas pelo Complexo Hidrelétrico do Tapajós.

Goiânia, 26 de outubro de 2012.

A Coordenação Nacional da CPT

MPF comemora decisão que mantém índios em terra guarani-kaiowá no MS

"A mobilização das redes sociais foi definitiva para alcançar esse resultado. Provocou uma reação raramente vista por parte do governo quando se trata de direitos indígenas", disse o procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida, que atua em Dourados. A situação dos guarani em Pyelito Kue se tornou assunto em todo o país quando os índios divulgaram uma carta em que se declaravam dispostos a morrer em vez de deixar as terras, assim que foram notificados do despejo pela Justiça Federal do Mato Grosso do Sul.

Pela decisão de hoje, os 170 indígenas podem permanecer em uma área de 2 hectares dentro da fazenda Cambará, em Iguatemi/MS, até que os trabalhos de identificação da terra indígena sejam concluídos. Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena falta ser publicado pela Funai. A desembargadora Cecilia Mello determinou o envio da decisão à presidente da República, Dilma Rousseff e ao ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo.

À Funai, a desembargadora determinou que "deve adotar todas as providências no sentido de intensificar os trabalhos e concluir o mais rápido possível o procedimento administrativo de delimitação e demarcação das terras". Os trabalhos se arrastam há pelo menos 3 anos, quando a Funai assinou um Termo de Ajuste de Conduta com o MPF para examinar a questão territorial dos Guarani-Kaiowá.

Pyelito Kue

Os guarani-kaiowá de Pyelito Kue ocupam área de reserva legal da fazenda Cambará, em Iguatemi, sul de Mato Grosso do Sul, desde novembro de 2011. Os índios se refugiaram no local - situado do outro lado do rio que corta a região - depois de ataque de pistoleiros em agosto do mesmo ano. Crianças e idosos ficaram feridos e o acampamento, montado à beira de estrada vicinal, foi destruído. (Confira nota sobre o ataque e fotos da travessiados índios)

Nota técnica da Fundação Nacional do Índio (Funai) publicada em março deste ano concluiu que a área reivindicada pelos indígenas como Pyelito Kue e Mbarakay é ocupada desde tempos ancestrais pelas etnias guarani e kaiowá. “Desde o ano de 1915, quando foi instituída a primeira Terra Indígena , ou seja, a de Amambai, até os anos de 1980 - com forte ênfase na década de 1970 -, o que se assistiu no Mato Grosso do Sul foi um processo de expropriação de terras de ocupação indígena, em favor de sua titulação privada”.

Para o Ministério Público Federal “afastar a discussão da ocupação tradicional da área em litígio equivale a perpetuar flagrante injustiça cometida contra os indígenas em três fases distintas e sucessivas no tempo. Uma quando se lhes usurpam as terras; outra quando o Estado não providencia, ou demora fazê-lo, ou faz de forma deficiente a revisão dos limites de sua área e quando o Estado-Juiz lhes impede de invocar e demonstrar seu direito ancestral sobre as terras, valendo-se justamente da inércia do próprio Estado”.

Do Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul

DAS ANTIGAS: Belo Monte ainda é uma triste história sem final definido

Nota - Em atenção às mensagens que recebi, por email e pelo Twitter, pedindo para recontar a história de Belo Monte, resgatei e atualizei um artigo meu de 2010. Não tenho a pretensão de mostrar nada novo, mas de recuperar alguns momentos da trajetória do processo doloroso que tem sido Belo Monte. Tudo já foi escrito e falado com perfeição por muita gente boa, apenas creio que nunca é demais relembrar os fatos e tentar tirar deles algumas lições. Para aqueles que estão tomando conhecimento agora da luta contra Belo Monte, pode ser importante dar uma lida no texto. (TM)




Todos os impactos decorrentes da construção da hidrelétrica de Belo Monte já foram e têm sido apontados à exaustão. Seja pelo Ministério Público, seja pelos especialistas, seja pelos movimentos sociais, seja pelas ONGs, seja pelos programas de TV, artigos e análise veiculados na mídia. Belo Monte ainda é uma triste história sem final definido. A sociedade brasileira vai ter que criar coragem para escrever seu final, pois é dele que depende o futuro e a sobrevivência da Amazônia.
Telma Monteiro


Belo Monte está sendo construída no rio Xingu, um dos mais importantes afluentes do rio Amazonas. A Bacia do rio Xingu ocupa dois estados na região Norte do Brasil: Pará e Mato Grosso. A construção de Belo Monte vai afetar globalmente Terras Indígenas, Unidades de Conservação e populações tradicionais, além de ameaçar a biodiversidade de um trecho de 100 quilômetros da Volta Grande do Xingu.
Duas barragens no projeto de Belo Monte vão criar dois reservatórios ligados por 40 quilômetros de canais escavados sobre rocha para desviar o Xingu e mais dezenas de diques de contenção das águas. Serão 668 quilômetros quadrados entre áreas de floresta, igarapés, leito do rio e áreas naturalmente sazonais e que serão permanentemente inundadas pelos reservatórios. Partes ainda não definidas da cidade de Altamira serão também alagadas pelo reservatório principal. A população sofre com a falta de informações confiáveis.
Estudos de vários especialistas apontaram a inviabilidade econômica, ambiental e social de Belo Monte. O rio Xingu é um rio sazonal que corta a Amazônia onde os períodos de cheia e seca são muito acentuados.
Especialistas afirmam ser impossível gerar 4.500 MW médios (é a máxima produção de energia que pode ser mantida quase que continuamente pelas usinas hidrelétricas ao longo dos anos) de energia barrando um rio com as características e com o histórico de vazões do Xingu. O projeto é da estatal brasileira Eletrobras, das empresas Camargo Corrêa, Construtora Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez e prevê a capacidade instalada (limite da produção ou a capacidade máxima de produção) de 11 mil MW. Na verdade, estudos comprovaram que pode chegar a apenas 1.200 MW médios no ano.
Belo Monte só produziria esssa energia planejada por seus criadores se fosse acompanhada de outros barramentos de regularização a montante (rio acima).
O governo brasileiro afirma que esse projeto incapaz de produzir essa energia exigirá investimentos da ordem de US$ 10,5 bilhões e empresas privadas já especularam que os valores podem chegar a US$ 16,6 bilhões. 

A história de Belo Monte

Na década de 1970 o potencial hidroenergético da Amazônia brasileira foi alvo de muitos estudos e passou a ser prioridade para os setores de infraestrutura. O inventário hidrelétrico do Xingu foi elaborado pela empresa estatal Eletrobras e sua subsidiária Eletronorte e a empresa privada Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores S.A. (CNEC) do grupo Camargo Corrêa, uma das maiores empreiteiras do Brasil.
O inventário da Bacia Hidrográfica do Xingu previa, inicialmente, seis usinas hidrelétricas com 20.375 MW de capacidade instalada e 18.300 quilômetros quadrados de área alagada por reservatórios. Seriam cinco usinas no rio Xingu e uma no rio Iriri.
Na década de 1980 foram concluídos e entregues o Estudo de Viabilidade Técnico-Econômica (EVTE) de todo esse complexo hidrelétrico. No primeiro Plano Nacional de Energia Elétrica (PDEE) já se previa a construção de 165 usinas hidrelétricas até 2010, das quais 40 estariam na Amazônia Legal. No final dessa década foi aprovado o Relatório Final dos Estudos de Inventário Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu em que constavam os seis aproveitamentos hidrelétricos. O destaque era a usina Kararaô, atualmente Belo Monte.
Durante o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, os índios Kayapó protestaram contra a construção do Complexo Hidrelétrico do rio Xingu e contra as decisões tomadas na Amazônia sem a participação dos indígenas. 
Na década de 1990 foram então concluídos os estudos de viabilidade de Belo Monte – os povos indígenas proibiram o uso do nome Kararaô - e foi também criado um grupo de trabalho para analisar a alternativa de construir os canais de desvio das águas do rio Xingu. O governo queria contornar o conflito gerado na região em decorrência da possibilidade de se construir todas as seis usinas previstas.
Na década de 2.000 foi assinado um acordo de Cooperação Técnica entre a Eletrobrás e Eletronorte com o objetivo de complementar os estudos de viabilidade de Belo Monte e incluir os canais de desvio das águas do Xingu. Essa é a configuração atual do projeto que está sendo construído. Mesmo esse projeto atual já sofreu alterações depois que foi licitado, em 2010. 
Ainda na década de 2.000 foi aberto na Fundação Nacional do Índio (Funai), o processo para acompanhar o licenciamento ambiental de Belo Monte. O Ministério de Minas e Energia (MME) aproveitou para anunciar um plano de emergência de US$ 30 bilhões para aumentar a oferta de energia no país com a construção de 15 usinas hidrelétricas, entre elas, Belo Monte. 
Em 2001 o Ministério Público Federal (MPF) moveu a primeira Ação Civil Pública (ACP), atendendo às reivindicações da sociedade, para suspender os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte. O pedido foi aceito pela justiça e o projeto passou a ser licenciado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e não mais pelo governo do Estado do Pará. O rio Xingu é um rio federal e compete ao Ibama o licenciamento ambiental de qualquer aproveitamento planejado para ele.
Um dos argumentos fundamentais do MPF foi que os estudos ambientais deveriam considerar toda a Bacia do Xingu e não apenas uma parte dela, como o governo brasileiro havia determinado. Em 2004, em nova ação, o MPF apontou falhas no processo de licenciamento ambiental de Belo Monte e conseguiu obter na justiça a paralisação do processo. Apesar das sentenças favoráveis em primeira instância, em 2007 o Tribunal Regional Federal mandou dar continuidade aos estudos e o governo incluiu Belo Monte no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Para saber mais sobre as ações do MPF contra Belo Monte, acesse o blog Belo Monte de Violências do procurador do MPF do Pará, Felício Pontes Jr.
O governo desistiu temporariamente dos demais aproveitamentos hidrelétricos no rio Xingu e definiu em resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que Belo Monte seria o único potencial a ser explorado no rio Xingu. Essa decisão, no entanto, poderá ser revogada a qualquer tempo, por outra resolução.
No início de 2009 os Estudos de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) foram encaminhados para análise do Ibama. Só em abril desse mesmo ano foram entregues os estudos do componente indígena para a análise e parecer da Funai.
O Ibama solicitou aos proponentes do projeto, novos relatórios complementares com a análise integrada do componente indígena. As audiências públicas para apresentação e discussão do EIA/RIMA foram realizadas nos municípios de Brasil Novo, Vitória do Xingu, Altamira e Belém. Elas não foram suficientes para dar vazão aos questionamentos das populações e dos povos indígenas que serão afetados ou sequer foram suficientes para esclarecer as dúvidas da sociedade. Nova ACP do MPF do Pará pediu o cancelamento das audiências.

O projeto Belo Monte

O projeto da hidrelétrica Belo Monte é tão inverossímil que os 26 quilômetros de canais que serão escavados em rocha, idealizados para fazer o desvio de 80% das águas do rio Xingu, variam entre 400 m e 750 m de largura e serão revestidos com uma camada de 10 cm de concreto. Com o desvio de cerca de 80% das águas do rio Xingu, através do canal artificial, na altura da barragem principal, a Volta Grande do Xingu – um grande meandro do rio e região dos pedrais - terá a vazão reduzida num trecho de 100 quilômetros.
Essa solução mágica que deixará fluir apenas 20% das águas para a Volta Grande é chamada de “vazão ecológica". Os 80% desviados vão abastecer o reservatório dos canais para acionar as turbinas da casa de força principal. A alteração no fluxo das águas vai criar uma verdadeira hecatombe ambiental que se refletirá até a foz do rio Amazonas. Se conseguirem construir Belo Monte, os impactos negativos afetarão diretamente terras dos municípios de Vitoria do Xingu, Altamira e Brasil Novo. 

O processo de licenciamento ambiental

Em novembro de 2009 a equipe técnica do Ibama emitiu um Parecer Técnico pedindo novas complementações aos estudos ambientais. Os técnicos concluíram que não havia elementos suficientes para a concessão da Licença Prévia (LP) de Belo Monte. Em 01 de fevereiro de 2010, contrariando todos os argumentos técnicos de especialistas e da própria equipe, o presidente do Ibama assinou a LP acrescentando 40 condicionantes.
Essas condicionantes postergaram os esclarecimentos necessários de todas as questões pendentes nos estudos ambientais. A LP foi concedida sob pressão política do governo.
O leilão de venda da energia de Belo Monte foi realizado em 20 de abril de 2010. Duas novas ações do MPF e uma ação ajuizada pelas organizações Kanindé e Amigos da Terra Amazônia Brasileira, não tiveram sucesso para impedir o leilão. O governo tinha organizado uma força tarefa com mais de 100 advogados para derrubar qualquer decisão favorável ao cancelamento da licitação. 
Na semana que antecedeu o leilão, as principais empresas que iriam concorrer desistiram, sob a alegação de que os estudos de viabilidade técnico-econômica não eram confiáveis. Outras empresas sem conhecimento técnico da região, dos impactos ambientais, dos conflitos sociais, foram convidadas na última hora para preencher a lacuna deixada. Eram necessários no mínimo dois consórcios de empresas para legitimar o certame.
Dois grupos concorreram ao leilão. O azarão, um consórcio liderado pela estatal Chesf e formado por empresas menores foi criado para preencher a ausência e dar uma falsa idéia de concorrência. O mercado do setor de energia apostava que esse consórcio criado no afogadilho perderia, mas para surpresa geral, acabou vencendo. As grandes construtoras que desfizeram as parecerias antes do leilão, na verdade, não tinham em mente um negócio de geração de energia, mas um negócio de construção. Queriam, mesmo, fazer as obras civis. O faturamento de quem constrói uma grande obra entra antes.
As desistentes, as mesmas empresas que elaboraram os estudos, recuaram movidas pelas incertezas sobre os custos ambientais e sociais, pela exposição da inviabilidade financeira e pela incrível resistência dos movimentos sociais e dos povos indígenas do Xingu, que voltou com mais força depois de 20 anos. As empreiteiras que idealizaram com a Eletrobras esse monstro no rio Xingu, sempre tiveram um único interesse: fazer a obra, faturar antecipadamente e lucrar muito com a construção. 
Para os vencedores, aqueles laçados na última hora para concorrer ao leilão, no entanto, as promessas do governo garantiam rentabilidade. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já está financiando 80% dos investimentos necessários para construir Belo Monte, com prazo de pagamento de 30 anos e juros de 4% ao ano. Desses 80%, parte é do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Dinheiro dos trabalhadores brasileiros para financiar um grande projeto de risco. Além disso, o governo concedeu um pacote de benesses para estimular a participação no leilão; o consórcio vencedor terá um desconto de 75% no imposto de renda durante 10 anos e isenção de taxas federais durante as obras.
Mesmo assim, o leilão quase não ocorreu por falta de participantes. Os motivos estariam desde as incógnitas do projeto com relação às escavações em rocha dos canais até as dúvidas sobre os custos socioambientais, não completamente transparentes na época. Houve quem dissesse que a questão principal estria na quantidade de energia que seria gerada pela chamada “hidrelétrica sazonal”. Até o momento, Belo Monte ainda é considerada um bom negócio, tanto pelo governo como pelas empresas.

Os impactos sociais e ambientais

As áreas consideradas diretamente afetadas não foram objeto de estudos aprofundados e atingirão uma população muito maior do que aquela mencionada no EIA/RIMA. A perda de biodiversidade no trecho da Volta Grande, e o deslocamento compulsório da população rural e urbana foram minimizados; a avaliação dos impactos na saúde subestimados; os riscos à segurança hídrica e os custos das externalidades continuam sendo omitidos.
O aumento do movimento migratório está ameaçando o equilíbrio da região que tem tamanha fragilidade. Altamira já registra índices de aumento da violência, de prostituição, de demanda por infraestrutura e de preços de aluguéis e serviços. A pressão sobre as terras indígenas com invasões, especulações imobiliárias e desmatamento já se tornaram duras realidades em outras regiões da Amazônia que receberam ou que têm projetos hidrelétricos em construção. Veja-se os problemas insoluíveis da região onde estão implantando as usinas do Madeira.
Todos os impactos decorrentes da construção da hidrelétrica de Belo Monte já foram e têm sido apontados à exaustão. Seja pelo Ministério Público, seja pelos especialistas, seja pelos movimentos sociais, seja pelas ONGs, seja pelos programas de TV, artigos e análise veiculados na mídia. Belo Monte ainda é uma triste história sem final definido. A sociedade brasileira vai ter que criar coragem para escrever seu final, pois é dele que depende a sobrevivência da Amazônia.


A corrida estrangeira pela terra brasileira. Entrevista especial com Maíra Martins

“Apesar de pequenos agricultores produzirem quase a metade dos alimentos no mundo, eles constituem a população mais fragilizada, em situação de miséria e fome, cuja ausência de titularidade ou posse da terra os torna mais vulneráveis”, constata a socióloga.

A compra de terras por empresas estrangeiras está aumentando em “países cuja governança sobre a terra é frágil, as negociações são pouco transparentes e, em muitos casos, sem consulta prévia às populações envolvidas ou potencialmente atingidas pelos empreendimentos”, informa Maíra Martins, pesquisadora da ActionAid Brasil à IHU On-Line. Segundo ela, os dados do relatório “Situação da Terra”, realizado pela ONG, indicam que, diante da crise econômica internacional, “a garantia do direito à terra, acesso aos territórios e meios de vida das comunidades e populações pobres no meio rural é crucial para o combate à fome e para a redução das desigualdades no mundo”. 

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Maíra esclarece que a aquisição das terras aumentou após a crise econômica de 2007 e 2008. “No contexto da crise financeira e econômica, muitos investidores voltaram-se para o mercado de terras. A chamada ‘corrida por terras’ se deve também à demanda por biocombustíveis e matérias primas, com destaque para algumas commodities como milho, soja, cana-de-açúcar, dendê e florestas plantadas (eucalipto), cultivos estes voltados para exportação”. E acrescenta: “Estima-se que as transações com terras, cuja média era de 4 milhões de hectares por ano até 2008, saltaram para 45 milhões de hectares somente entre outubro de 2008 e agosto de 2009, sendo grande parte dessas negociações, em torno de 75%, no continente africano”.

O processo de estrangeirização das terras brasileiras ocorre desde os anos 1970, mas a partir de 2008, “também houve a intensificação da participação de estrangeiros em investimentos agropecuários, bem como na aquisição de terras no Brasil, acompanhando a tendência global”, informa. De acordo com a pesquisadora da ActionAid, o continente Africano é o principal alvo de interesse das empresas. “Em 2010, o Banco Mundial estimou que cerca de 46 milhões de hectares de terra agricultáveis haviam sido negociados no continente. Grande parte dessas aquisições ocorre em países com altos índices de fome e pobreza, cuja legislação e governança sobre a terra são frágeis, bem como os meios para proteger os direitos das populações afetadas”.

Maíra Martins é assessora de pesquisa e políticas da ActionAid Brasil, socióloga e mestre em Ciências Sociais com foco em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ.

Confira a entrevista:

IHU On-Line – Quais são os dados mais preocupantes do relatório “Situação da Terra” em relação à compra de terras tradicionais por empresas estrangeiras e a crise alimentar?

Maíra Martins – O relatório trata do problema das aquisições de terra em larga escala em países em desenvolvimento. Dividido em duas partes, na primeira apresenta os impactos da corrida por terras para as comunidades rurais e, em especial, para as mulheres. Na segunda parte analisa a situação de 24 países no que concerne a sua situação fundiária e sua capacidade (política, legal e jurídica) para proteger os direitos territoriais das populações e comunidades, cujo meio de vida depende da terra e dos recursos naturais.
Chama atenção para o fato de que grande parte dos investimentos em compras de terras tem se dado em países cuja governança sobre a terra é frágil, as negociações são pouco transparentes e, em muitos casos, sem consulta prévia às populações envolvidas ou potencialmente atingidas pelos empreendimentos. 

Apesar de pequenos agricultores produzirem quase a metade dos alimentos no mundo, eles constituem a população mais fragilizada, em situação de miséria e fome, cuja ausência de titularidade ou posse da terra os torna mais vulneráveis. No caso das mulheres a situação é mais grave: embora tenham papel crucial na agricultura e reprodução dos modos de vida, possuem apenas 2% de toda a terra globalmente. Assim, no contexto de crise dos preços dos alimentos e fome no mundo, a mensagem central do relatório é de que a garantia do direito à terra, acesso aos territórios e meios de vida das comunidades e populações pobres no meio rural é crucial para o combate à fome e para a redução das desigualdades no mundo.

IHU On-Line – Desde quando está em curso a estrangeirização de terras no Brasil e nos demais países da África e da Ásia?

Maíra Martins – Após a crise dos preços dos alimentos em 2007-2008, identifica-se o aumento expressivo da aquisição de terras em larga escala. No contexto da crise financeira e econômica, muitos investidores se voltaram para o mercado de terras. A chamada “corrida por terras” se deve também à demanda por biocombustíveis e matérias primas, com destaque para algumas commodities como milho, soja, cana-de-açúcar, dendê e florestas plantadas (eucalipto), cultivos estes voltados para exportação. Estima-se que as transações com terras, cuja média era de 4 milhões de hectares por ano até 2008, saltaram para 45 milhões de hectares somente entre outubro de 2008 e agosto de 2009, sendo grande parte dessas negociações, em torno de 75%, no continente africano.
No caso do Brasil, o processo de estrangeirização das terras não é necessariamente novo: a cooperação nipo-brasileira para o desenvolvimento da agricultura nos Cerrados, na década de 1970, é considerada um importante marco desse processo por pesquisadores. Contudo, tem sido verificado que, a partir de 2008, também houve a intensificação da participação de estrangeiros em investimentos agropecuários, bem como na aquisição de terras no Brasil, acompanhando a tendência global.

IHU On-Line – Entre os países da América Latina, África e Ásia, é possível apontar em qual dos continentes há maior disputa pelos territórios e onde as empresas estrangeiras mais compram terras? Quais os interesses das empresas nesses países?

Maíra Martins – O continente africano tem sido o principal alvo dos interesses das empresas em aquisições e terras. Em 2010, o Banco mundial estimou que cerca de 46 milhões de hectares de terra agricultáveis haviam sido negociados no continente. Grande parte dessas aquisições ocorre em países com altos índices de fome e pobreza, cuja legislação e governança sobre a terra são frágeis, bem como os meios para proteger os direitos das populações afetadas. As empresas, por outro lado, buscam boas oportunidades de investimento, nesse sentido, encontram facilidades para compra de terras ou contratos de arrendamento, incentivos fiscais, preços de terra mais baratos, bem como populações fragilizadas por não possuírem garantias legais.

IHU On-Line – Que empresas participam desse comércio de terras? Quais as implicações dessas negociações?

Maíra Martins – Diversos setores participam das negociações por terras, desde fundos de investimento e especuladores – cujo interesse é a valorização da terra, como empresas nacionais e multinacionais de produção de etanol, eucalipto, milho, soja – até setores da mineração e outras indústrias extrativas.

IHU On-Line – O que muda em relação à produção agrícola uma vez que as empresas estrangeiras são donas dos territórios?

Maíra Martins – Territórios que antes eram habitados ou produzidos por uma comunidade, bem como seus recursos naturais (água, solo, fauna, etc.), são monopolizados nas mãos de poucos, geralmente convertidos em regiões demonocultivos para exportação, com alto uso de agrotóxicos, intenso consumo dos recursos hídricos e poluição do ar ou do subsolo. Dependendo do setor, emprega-se pouca mão de obra, não contribuindo muito para o desenvolvimento local.

IHU On-Line – Qual o posicionamento dos governos desses países em relação à compra de terras nacionais?

Maíra Martins – Para muitos governos a entrada de investimentos estrangeiros no país é tida como oportunidade de geração de renda e emprego para as comunidades, além de ser uma oportunidade de transferência de tecnologia. Sabemos que não é esse processo que tem sido noticiado e denunciado por muitas organizações ao redor do mundo. Nesse sentido, há discussões em âmbito internacional e em muitos países sobre maneiras de fortalecer os mecanismos de governança sobre a terra e regular os investimentos das empresas, cobrando mais responsabilidades dos investidores estrangeiros. Mais de cem países do Comitê Global de Segurança Alimentarendossaram as diretrizes globais voluntárias sobre a gestão responsável da posse da terra e os direitos de acesso à terra, à pesca e aos recursos florestais. No entanto, por serem voluntárias, é necessário que os países adaptem aos seus contextos nacionais e incorporem os princípios e recomendações em formato de legislação.

IHU On-Line – Qual a situação específica do Brasil? É possível estimar que percentual do território brasileiro já pertencente a empresas estrangeiras?

Maíra Martins – O Brasil possui uma estrutura fundiária extremamente concentrada, resultado de nosso processo histórico, da maneira como a terra tornou-se propriedade privada e também reserva de valor. Como demonstra os dados do último censo agropecuário, as pequenas propriedades rurais, com menos de dez hectares, ocupam apenas 2,7% da área total dos estabelecimentos rurais, algo torno de 7,8 milhões de hectares, um terço do que, por exemplo, é hoje ocupado somente com a soja. Ao mesmo tempo em que assistimos a expansão das fronteiras agrícolas para as monoculturas de exportação, com forte investimento estrangeiro, os processos de reforma agrária, de demarcação de territórios indígenas e quilombolas estão quase parados.
Há também fragilidades nos cadastros dos imóveis, revelando o fraco controle do estado sobre a governança da propriedade da terra no Brasil. Isso afeta uma identificação precisa das aquisições de terras por estrangeiros. Dos 850 milhões de hectares em terras no Brasil, apenas a metade está cadastrada como imóvel rural no sistema nacional de cadastro rural do Incra. Desse modo, é difícil definir percentuais sobre o território. Segundo estudos doNead, baseado nas fontes do Sistema Nacional de Cadastro Rural – SNCR do Incra, em 2008 existiam 34.632 registros de imóveis em mãos de estrangeiros, equivalente a uma área total de 4 milhões de hectares, parte significativa desses imóveis classificados como grandes propriedades rurais. 

IHU On-Line – O comércio de terras em larga escala tem estimulado o aumento do preço dos alimentos e a produção dos biocombustíveis. Quais as razões dessas consequências?

Maíra Martins – O interesse por terra para atender à demanda por commodities agrícolas ou para especulação tem provocado o aumento do preço da terra e a substituição de cultivos essenciais para segurança alimentar por produtos voltados para exportação. Esse processo reforça a tendência para concentração fundiária e monopólio, contribui para o encarecimento dos preços dos alimentos devido ao aumento dos custos de produção (preço da terra, distância e transporte etc.) e redução de oferta de alimentos.

IHU On-Line – Como esse comércio tem prejudicado as comunidades tradicionais e pequenos agricultores em todo o mundo? Quais os riscos de acirrar ainda mais a crise alimentar?

Maíra Martins – A pressão sobre as terras tem provocado o deslocamento de muitas comunidades – às vezes por processos violentos e conflituosos – inviabilizando seus modos de vida e formas de reprodução de sua cultura. Por não terem a propriedade ou posse da terra, as populações rurais mais pobres são facilmente deslocadas e expropriadas e, para aqueles que possuem a titulação, a pressão inflacionária do preço da terra e a chegada de investimento ao redor inviabilizam a permanência em suas terras, levando-os à venda ou arrendamento. Por exemplo, podemos imaginar uma família de pequenos agricultores que estão cercados por fazendas de cana de açúcar, com intenso uso de agrotóxicos, ocorrências de queimadas, e assoreamento dos rios, frequentemente assediadas para vender ou arrendar suas terras.
Muitos são os riscos para a crise alimentar. Esse processo recente de aquisições de terras vai na contramão do que se considera necessário para garantir a produção de alimentos, reduzir os impactos das crises dos preços e inflação. Essa busca por terras contribui para agravar a concentração de terra, renda e investimentos em alguns setores, sobretudo na distribuição, pressionando os preços e contribuindo para inflação. 
Como dito acima, os agricultores familiares são aqueles que produzem grande parte dos alimentos consumidos no mundo. É preciso políticas que fortaleçam pequenos agricultores, comunidades tradicionais, dando-lhes acesso à terra e meios de produzir alimentos e reproduzir seus modos de vida com dignidade.

Do IHU

Integração energética e autoritarismo

Lula e Alan García - Imagem Blog da Amazônia
  1. Ministros discutem integração energética Brasil-Peru

"O Ministro Interino de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, e o Ministro de Energia e Minas do Peru, Jorge Tafur, discutiram nesta terça (23) projetos de integração energética entre os dois países, que incluem a viabilização do aproveitamento hidroelétrico de Inambari, com 2.200 MW. A construção da UHE está prevista no acordo sobre integração energética entre os dois países, firmado em 06/2010 e já possui os estudos de engenharia concluídos. Os dois ministros também falaram sobre a exploração e uso do gás natural peruano. Em relação à exploração e ao aproveitamento do gás do campo de Camisea, onde a Petrobras tem participação em cinco blocos, a delegação peruana foi informada que brevemente a estatal brasileira irá apresentar uma declaração de volume descoberto de gás natural. O peruano também manifestou interesse para cooperação técnica em estudos geológicos e minerais em áreas fronteiriças." (Jornal da Energia – 25.10.2012)IFE

Os planos de exploração hidrelétrica, pelo Brasil, dos recursos da Amazônia Andina estão evoluindo rapidamente. Equador, Peru e Bolívia procuram transformar as hidrelétricas em única opção de geração de energia, com apoio técnico de grandes empresas brasileiras do setor privado e estatal - Odebrecht, Eletrobras, entre outras - nos planos de médio e longo prazo, para atender à demanda futura. (Telma Monteiro)


2. Para MME, não existem mais locais para grandes reservatórios 
 "O país não possui mais locais capazes de abrigar grandes reservatórios, segundo o MME. De acordo com Altino Ventura, secretário de Desenvolvimento Energético do Ministério, existem dificuldades de implantação na região amazônica, última fronteira hidrológica do Brasil. Ressaltando que a não construção de usinas com reservatórios estava no planejamento, Ventura lembra que o país fez uma opção pela preservação das regiões onde poderia haver reservatórios, que englobavam terras indígenas e áreas protegidas. Ele ainda frisa que o único empreendimento energético em construção na região do Xingu é o de Belo Monte e os outros aproveitamentos sinalizados não foram à frente, devido à preservação ambiental. O secretário enfatiza que grandes reservatórios só poderiam ser construídos na região Norte do país, porque segundo ele, só lá há potencial hídrico para a construção de reservatórios como os existentes, pujantes a ponto de dar segurança ao sistema." (Agência CanalEnergia – 25.10.2012) IFE

Altino Ventura está chamando a Amazônia de "fronteira hidrológica do Brasil" como se  essa fosse uma característica especial concedida pela Natureza. Não pode haver compatibilidade entre Terras Indígenas, Unidades de Conservação, populações tradicionais e o planejamento do Governo Federal de construir grandes e pequenas hidrelétricas na marra, tenham elas menores ou maiores reservatórios. 
Indígenas Munduruku - Foto: Telma Monteiro
É tanta a urgência em leiloar as usinas planejadas no rio Tapajós, por exemplo, que a Eletrobras chamou os Munduruku e a Funai para uma reunião em Itaituba, em 17 de outubro, para lhes dar uma prensa. Os representantes da Eletrobras queriam negociar no particular, sem a presença de lideranças, a entrada de seus pesquisadores em terras Munduruku para coletar dados para os estudos de viabilidade técnica das usinas do Tapajós. Parece que os Munduruku não gostaram nadinha de dar de cara com estranhos em seu território e sem autorização. A Eletrobras solicitou à Funai que intermediasse as negociações com o fim de dar prosseguimento aos estudos no Tapajós, em terras Munduruku. Pareceu uma carteirada!

A representante da Funai, para acalmar os ânimos, se saiu com uma triste ameaça: se os Munduruku engrossassem com o Estado, o Estado também poderia engrossar com eles e mandar a Força Nacional para garantir a continuidade dos estudos. Indícios de mais um desfecho trágico na história do autoritarismo do governo de Dilma Rousseff sobre os indígenas brasileiros? 

Entre as propostas da Eletrobras estava a de substituir 80 lideranças, que os próprios Munduruku consideram que os representa, por apenas seis que a empresa queria convocar. Mas os Munduruku exigiram da Eletrobras uma reunião ampla com a presença do MPF, com transparência, com todas as lideranças e avisaram em alto e bom tom que não aceitam as usinas no rio sagrado deles. Ali no rio Tapajós habita o deus criador do mundo, Karosakaybu, segundo os Munduruku. 

Karosakaybu é um deus tão poderoso que pode transforma homens em animais e protege os Munduruku da escassez de caça e de pesca. A harmonia com a natureza está assegurada com esse importante protetor. Portanto, nada de hidrelétricas no rio sagrado dos Munduruku! 

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Tribunal derruba ordem para retirada de índios de fazenda em Iguatemi

Nathalia Passarinho Do G1, em Brasília

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) cassou nesta terça-feira (30) liminar (decisão provisória) de um juiz federal de Naviraí (MS) que determinava a desocupação pelos índios guarani-kaiowá de área na Fazenda Cambará, em Iguatemi, a 466 km de Campo Grande.


O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a ministra Maria do Rosário, dos Direitos Humanos, em reunião com índios guarani-kaiowá em Brasília (Foto: Nathalia Passarinho / G1)
O ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), e
Maria do Rosário (Direitos Humanos) em reunião
com índios guarani-kaiowá em Brasília
(Foto: Nathalia Passarinho / G1)
 A informação foi anunciada pelo ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, em reunião com membros da etnia na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência. Cardozo informou ainda que determinou o envio de reforço da Polícia Federal e da Força Nacional para evitar que a tensão entre indígenas e produtores rurais provoque violência.
"Estamos enviando um reforço de pessoas e viaturas da Força Nacional. A Polícia Federal também vai reforçar policiamento na área. Não vamos informar o efetivo por questões de segurança, mas é o suficiente para garantir paz", afirmou Cardozo.
Pela nova decisão, os índios devem permanecer no local até que sejam terminados os procedimentos administrativos de demarcação das terras. Eles não poderão impedir a circulação de pessoas no local nem ampliar a terra hoje ocupada, de 10 mil metros quadrados. Também não poderão desmatar áreas verdes nem caçar os animais da fazenda.
A área ocupada pela a comunidade de Pyelito Kue, localizada no sul do Mato Grosso do Sul, é de reserva nativa, que não pode ser explorada economicamente. Os índios atravessaram o rio e foram para a propriedade rural em novembro do ano passado, três meses depois de terem o acampamento onde moravam ser destruído em um ataque no dia 23 de agosto de 2011 (entenda o caso).
No dia 17 de setembro deste ano, a Justiça Federal de Naviraí determinou a saída dos índios do local deferindo pedido de desapropriação feito pelo proprietário das terras, o produtor rural Osmar Bonamigo.
Por conta da decisão os índios chegaram a divulgar uma carta em que diziam que iriam resistir até a morte na ocupação da terra caso tentassem retirá-los. O líder dos guarani-kaiwoá Solano Lopes, que participou da reunião na Secretaria de Direitos Humanos, esclareceu que o texto não significa que haverá suicídio coletivo, mas que os indígenas lutarão "até o último guerreiro" pela permanência na propriedade.
"A comunidade tem uma decisão de não sair nem por bem nem por mal. Vamos lutar por essa terra até o último guerreiro. Não vamos matar uns aos outros, mas vamos morrer pela nossa terra", afirmou.
Solano Lopes argumentou ainda que a propriedade em Iguatemi é dos indígenas há dezenas de anos. "

Demarcação
De acordo com o ministro Eduardo Cardozo, o estudo etnológico da Funai, para averiguar se a terra é indígena, já foi concluído. "Só falta o levantamento fundiário, que deve ser concluído em 30 dias", afirmou.
A decisão definitiva sobre o direito à propriedade, contudo, não tem prazo para ocorrer, já que a demarcação pode ser contestada judicialmente pelo estado, município e pelos produtores rurais.
A ministra Maria do Rosário também criticou a demora do Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal, para decidir sobre recursos contra demarcações de terras indígenas no país. "A morosidade na votação de matérias que dizem respeito a terras indígenas no STF intensifica a tensão na região. Vamos procurar os ministros para tratar das ações que tramitam lá", disse.

'Satisfeito pela metade'

Após anúncio, o guarani Otoniel Nhandherou, liderança indígena, chorou e disse estar "satisfeito pela metade". "Não quero mais meu povo morrendo por causa dessa terra. Eu vou ficar feliz totalmente quando toda essa área for demarcada. Quando morrer vai ser de olho aberto para mostrar minha angústia", disse.
Já o cacique guarani Solano Lopes pediu cópia da decisão para comprovar que eles poderão, de fato, permanecer na propriedade até a demarcação.
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, disse que o governo vai agilizar os procedimentos necessários à demarcação.

Do G1

Representantes dos índios guarani-kaiowá se reúnem com vice-procuradora-geral da República

Brasília - Índios guarani kaiowá, obrigados pela Justiça Federal a desocupar as terras que moram no município de Iguatemi, em Mato Grosso do Sul, são recebidos na PGR pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat. Foto de Valter Campanato/ABr
Brasília – Índios guarani kaiowá, obrigados pela Justiça Federal a desocupar as terras que moram no município de Iguatemi, em Mato Grosso do Sul, são recebidos na PGR pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat. Foto de Valter Campanato/ABr

Durante a reunião, os índios entregaram uma carta ao MPF e afirmaram que não há a intenção de suicídio coletivo

A vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, também coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que trata de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, recebeu nesta segunda-feira, 29 de outubro, seis representantes dos índios guarani-kaiowá. A reunião foi para tratar da situação da etnia, em Mato Grosso do Sul. Uma decisão da Justiça Federal de Naviraí (MS) determinou a desocupação da área habitada pelos indígenas em Pyelito Kue/Mbarakay, em Iguatemi, e a manutenção de posse da fazenda Cambará. Também estiveram presentes à reunião as subprocuradoras-gerais da República Gilda Carvalho e Raquel Dodge e o procurador da República em Mato Grosso do Sul Marco Antonio Delfino.
Durante a reunião, os índios entregaram uma carta ao Ministério Público Federal explicando a situação deles e afirmando que “a comunidade tem uma decisão que não vai sair nem por bem e nem por mal. Vamos lutar pela nossa terra até o último guerreiro”. Os guarani-kaiowá também relataram que houve um suicídio e um estupro no local.
A vice-procuradora-geral da República afirmou que é preciso definir se os índios têm ou não direito à terra. “É preciso que os estudos sejam concluídos. Eles não podem viver nessa situação de suspensão, de insegurança”, explicou. Deborah Duprat também destacou que a situação é bastante complicada e que o Ministério Público Federal já vem atuando na questão com diversas ações.
Para a vice-PGR, “há uma reação enorme do setor dito produtivo de Mato Grosso do Sul, algo semelhante ao que aconteceu em Roraima há um tempo atrás. Chega a ensejar quase que um racismo institucional, o Estado colocando suas instituições contra os índios.”
Otoniel Iandeva, membro do Conselho Continental da Nação Guarani, comentou que eles querem resolver a questão da demarcação de terra. Segundo ele, “o estado hoje não respeita nossos direitos, o estado não considera que somos cidadãos, seres humanos”. Ele ressaltou que não há a intenção de suicídio coletivo da etnia. Otoniel também destacou que um dos aliados da etnia é o Ministério Público Federal, que “qualquer coisa acompanha”.
Recurso – No dia 16 de outubro, o Ministério Público Federal em Dourados apresentou recurso no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) para reformar a decisão da Justiça Federal de Naviraí que determinou a saída dos índios. O MPF pede a permanência da comunidade guarani-kaiowá na área até que sejam concluídos os estudos antropológicos aptos a determinarem a tradicionalidade da ocupação.
O procurador da República Marco Antonio Delfino, autor do recurso, explicou que “esse cenário é de extrema gravidade”. Segundo ele, “o estado demora em reconhecer o direito a esses territórios e igualmente a Justiça, ainda que de forma provisória, demora em reconhecer o direito dessas comunidades a seus territórios tradicionais”.
De acordo com nota técnica da Fundação Nacional do Índio (Funai) publicada em março deste ano, a área reivindicada pelos indígenas como Pyelito Kue e Mbarakay é ocupada desde tempos ancestrais pelas etnias guarani e kaiowá.
O Ministério Público Federal, órgão constitucionalmente responsável pela defesa dos interesses dos povos indígenas – atua em 141 processos que envolvem as etnia guarani e kaiowá . São ações relativas à demarcação de terras, a danos morais coletivos, crimes contra a vida, racismo e até genocídio. As ações judiciais tramitam na Justiça Federal de Dourados, Naviraí e Ponta Porã.

Fonte: Procuradoria Geral da República

ESTREITO (MA): Nova hidrelétrica afeta a vida de moradores


A construção da hidrelétrica de Estreito (MA), inaugurada neste mês pela presidente Dilma Rousseff, forçou ex-moradores de áreas afetadas pela barragem a viver em acampamentos sem eletricidade ou em assentamentos com racionamento de água.
Os problemas começaram há cerca de dois anos, quando a usina estava em obras e os moradores tiveram de se retirar. A hidrelétrica, no rio Tocantins, afeta 12 municípios na divisa entre o Maranhão e o Tocantins.


A reportagem é de Aguirre Talento e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 28-10-2012.

O principal é Estreito, sede da usina. Lá, a população teme que, no período chuvoso a ser iniciado em dezembro, o rio provoque enchentes por causa da barragem. Na zona rural, a erosão causada pela barragem à beira do rio já derrubou plantações.
O Ceste (Consórcio Estreito Energia), responsável pela hidrelétrica, diz que 2.000 famílias afetadas foram removidas e indenizadas. Parte delas, segundo o Ceste, foi reassentada em outros locais.
Há outras 900 famílias, porém, que reivindicam indenização. Elas não receberam nada porque não eram donas das terras onde moravam ou não tinham documentos que provavam a posse das áreas.
Para pressionar o governo federal a indenizá-las, montaram acampamentos provisórios, onde vivem sem eletricidade, perto da usina.
Segundo o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), há cerca de 400 famílias em acampamentos nas cidades de Babaçulândia, Barra do Ouro e Filadélfia (no Tocantins) e Carolina (MA).

FORRO E LAMPARINA
Em Babaçulândia, o acampamento foi montado à beira do rio Tocantins. As casas são de palha e de madeira e as famílias vivem da agricultura. Plantam feijão, milho, mandioca e tomate. O passatempo é forró no rádio de pilha. "Luz é na base da lamparina", diz Gilberto de Araújo, 38.
Ele morava numa casa no mesmo terreno da sogra, com a mulher e dois filhos. Viviam da agricultura e tiveram de sair por causa da barragem - o local foi alagado. "Eu plantava muito, rendia mais de R$ 2.000 por mês", diz. Só a dona da terra foi indenizada, e Gilberto ficou sem casa.
O MAB pede ao governo federal a legalização dos acampamentos hoje existentes.
Mesmo os reassentados têm problemas. Em Babaçulândia, o abastecimento de água é feito por carros-pipa enviados de segunda a sábado pelo consórcio. "Domingo a gente vai tomar banho no rio com medo de que a água da casa acabe", afirma o agricultor Agnaldo Barros, 38.

Consórcio diz que remanejou mais de 500 famíliasO Ceste (Consórcio Estreito Energia) afirma que aprovou a indenização de 70% das famílias que solicitaram a inclusão no plano de remanejamento de afetados pela hidrelétrica de Estreito.
Segundo o consórcio, até mesmo famílias que não eram proprietárias das terras onde moravam foram indenizadas.
Em nota, diz que "foram remanejadas mais de 500 famílias não proprietárias".
Já o governo federal afirma que existem cerca de 900 famílias no entorno da hidrelétrica que reivindicam indenização por terem sido impactadas e que será realizada "em breve" uma reunião para discutir a situação.
Sobre o abastecimento de água, o Ceste informa que a água captada no poço artesiano apresentou características salobras, e que providenciou a instalação de filtros para melhorar suas condições. Os moradores, porém, dizem que a qualidade da água continua ruim.
O Ceste afirma aguardar um posicionamento do Ibama para saber se interrompe o fornecimento de água por meio dos caminhões-pipa.

De IHU

Kaiowá e Guarani de Pyelito Kue é violentada por oito pistoleiros em Iguatemi, Mato Grosso do Sul


Enquanto M.B.R se dirigia do tekoha Pyelito Kue para o centro urbano de Iguatemi, Mato Grosso do Sul, nesta quarta-feira, 24, o motoqueiro que a levava mudou de rota, entrou numa fazenda chamada São Luís e lá oito pistoleiros aguardavam a indígena, que passou a ser violentada sexualmente.

A ocorrência foi registrada na delegacia do município e conforme um agente da Polícia Civil, a indígena realizou exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML) de Naviraí. A investigação para descobrir os autores também teve início e os policiais aguardam o laudo da perícia médica.   

A informação é de Renato Santana da Assessoria de Comunicação do CIMI, 26-10-2012:


De acordo com relatos da própria indígena, os pistoleiros a amordaçaram antes do início das sessões de estupro. Enquanto se revezavam, um sempre mantinha a ponta de uma faca no pescoço de M.B.R. Logo após as sucessivas violências, um dos homens apontou a espingarda que trazia para a cabeça da indígena e passou a dirigir perguntas sobre Pyelito Kue e suas lideranças.

“Ela contou que depois disso os homens deixaram ela largada por lá. Outro homem a viu e prestou socorro. Foi toda machucada para o Hospital São Judas Tadeu e recebeu medicação, atendimento”, relata Líder Lopes, de Pyelito Kue.M.B.R já está na comunidade e aguarda nova ida ao hospital.

Conforme Líder Lopes, a indígena encontra-se assustada e pouco consegue falar. A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi acionada e aguarda o laudo pericial para tomar providências, mas uma equipe se deslocará até a comunidade para prestar apoio a indígena.

Suspeitas

Ainda não há informações mais concretas quanto aos autores da barbárie. Porém, M.B.R disse aos parentes Kaiowá e Guarani que o homem da moto foi enviado pelo marido de uma tia, sendo que ambos vivem em Iguatemi.

Durante esta última semana, a questão Kaiowá e Guarani voltou às manchetes nacionais e internacionais, além de mobilizar centenas de pessoas mundo afora, com uma carta da comunidade de Pyelito Kue dizendo que não sairão de suas terras de ocupação tradicional, mesmo que para isso tenham que morrer resistindo.

De IHU