terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Dom Erwin receberá título de Doutor Honoris Causa pela UFPA

O Conselho Universitário - CONSUN da Universidade Federal do Pará - UFPA aprovou, por unanimidade, conceder o título deDoutor Honoris Causa a Dom Erwin Kraütler, Bispo da Prelazia do Xingu e Presidente do Conselho Indigenista Missionário - CIMI, "em reconhecimento a sua trajetória de vida em favor dos direitos humanos e das causas indígenas na Amazônia. O prelado, que já tem seis títulos concedidos por outras instituições de dentro e fora do País, receberá a homenagem da UFPA em ato formal, ainda por ser agendado, em Belém, e, em ato simbólico, a ser realizado também no município de Altamira."

ISA solicita declaração de inviabilidade de projeto de mineração na região do Xingu

Na última quarta-feira (23), o Instituto Socioambiental protocolou parecer técnico junto à Secretaria do Meio Ambiente do Pará solicitando a declaração da inviabilidade do projeto da mineradora Belo Sun, de instalar mineração de ouro na região da Volta Grande do Rio Xingu. O documento explica porque a área onde o Rio Xingu terá significativa redução da vazão não pode ter, além da terceira maior hidrelétrica do mundo, outro mega empreendimento licenciado.
O documento foi encaminhado pelo ISA à Secretaria do Meio Ambiente (Sema) do Pará e solicita que o órgão suspenda o processo de licenciamento do projeto da mineradora canadense Belo Sun ). Além disso, também pede que caso a Sema prossiga o processo, o Ministério Público Federal solicite sua federalização, já que há afetação direta aos povos indígenas da região.“O EIA apresentado é defeituoso, mas independentemente da qualidade do estudo, ele não tem como realizar uma avaliação tecnicamente embasada a respeito dos impactos sobre o meio, dada a grande transformação pela qual a Volta Grande deverá passar. Por isso, esperamos que a própria Sema conclua pela inviabilidade socioambiental do projeto”, afirma o advogado Leonardo Amorim, do ISA.
Duas audiências públicas para discutir a implantação do Projeto Volta Grande já foram realizadas no município de Senador José Porfírio, onde será explorada a jazida. Os encontros foram marcados pela Secretaria do Meio Ambiente (Sema) do Pará e a empresa canadense Belo Sun Mining, que pretende instalar na Volta Grande o programa de exploração de ouro.
Audiência pública em Senador José Porfírio para explicar o projeto

O Instituto Socioambiental analisou os documentos de licenciamento do projeto e destaca dois principais problemas: a desconsideração das alterações ambientais provocadas por Belo Monte exatamente na área na qual se pretende instalar a mineradora, e a insuficiência da análise de impactos sobre os povos indígenas da região. “A população da Volta Grande do Xingu já convive hoje com as incertezas sobre os impactos da vazão reduzida do rio, fruto da construção de Belo Monte. Não é possível que, além disso, eles tenham que conviver com a instalação de uma grande mineradora e com o risco iminente de qualquer acidente de contaminação em um ambiente já fragilizado. Que tipo de situação extrema o Estado brasileiro está disposto a impor aos indígenas e ribeirinhos do Rio Xingu em troca de energia e ouro para empresas privadas?”, questiona a advogada Biviany Rojas, do ISA.
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O órgão licenciador reconhece a existência de impactos, mas assume, expressamente, a incerteza sobre sua dimensão, e, por isso, a Norte Energia (concessionária responsável pela construção da UH Belo Monte) e o Ibama terão de realizar monitoramentos durante anos para diagnosticar os impactos reais sobre a Volta Grande e seus povos. Tais monitoramentos poderão, inclusive, fundamentar readequações das licenças ambientais da usina hidrelétrica.
O parecer elaborado pelo ISA alerta que é impossível realizar previsão de impactos do projeto de mineração em meio a um ambiente que não se sabe como vai se comportar no futuro próximo. Nem a Norte Energia, nem os afetados (como índios e pescadores), nem os especialistas e os órgãos públicos responsáveis sabem quais serão os impactos exatos de Belo Monte na área da Volta Grande.
A mineradora Belo Sun submeteu seus estudos com a pretensão de instalar o empreendimento a aproximadamente 10 km de distância da barragem principal de Belo Monte e a 9,5 km da Terra Indígena (TI) Paquiçamba. Em 11 anos de exploração, a Belo Sun deve revirar 37,80 milhões de toneladas de minério.

Impactos sobre TIs serão diretos
Para executar o projeto, a empresa encaminhou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) à Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará em fevereiro do ano passado. Segundo o estudo, o projeto não teria impacto relevante no leito do Rio Xingu e nem impactos diretos sobre os povos indígenas da TI Paquiçamba e da TI Arara da Volta Grande.
Mesmo estando localizada na mesma região que a hidrelétrica de Belo Monte, e com evidentes impactos cumulativos e sinérgicos, o projeto de mineração está sendo licenciado pela Sema, o órgão ambiental estadual, enquanto a hidrelétrica é licenciada pelo Ibama, o órgão ambiental federal. “Empreendimento que afeta terras indígenas deve ser licenciado pelo Ibama. Isso é ainda mais necessário quando o novo empreendimento, de alto impacto, tem interações diretas com a obra que alterará completamente as condições do meio”, avalia o advogado do ISA, Leonardo Amorim.
Para o advogado Raul do Valle, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA, o impacto nas Terras Indígenas (TIs) é direto. "É claro que há impacto, como acontece em Belo Monte. E ocorrerá não só porque o local de escavação é próximo às TIs onde haverá forte mobilização de homens e máquinas, mas, sobretudo, porque essas terras já vão sofrer com a limitação dos recursos hídricos após a construção da barragem".

O projeto da Belo Sun
A Belo Sun Mineração Ltda. é subsidiária brasileira da canadense Belo Sun Mining Corporation, pertencente ao grupo Forbes & Manhattan Inc. O grupo recebeu autorização para pesquisa mineral na região da Volta Grande do Xingu do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM, autorizações sob os números 805.657/76, 805.658/76, 805.659/76 e 812.559/76), após diversas empresas terem realizado pesquisas na área, ao longo das três últimas décadas, sem, no entanto efetivar a exploração dos minérios. Entre essas empresas, se destaca a EBX, de propriedade do empresário Eike Batista. 
A lavra do ouro nas margens do rio Xingu será feita a céu aberto, porque se trata de uma jazida próxima à superfície. A previsão é de que a exploração avance por até 20 anos. Pelos cálculos da Belo Sun, haverá 2,1 mil empregados, próprios e terceirizados, no pico das obras, mas sem avaliação dos impactos cumulativos e sinérgicos com o aumento populacional promovido por Belo Monte. A exploração efetiva do ouro começaria no primeiro trimestre de 2015. A companhia listou 21 programas socioambientais para mitigar os impactos que serão causados à região e à vida da população de forma totalmente desarticulada dos planos, programas e projetos previstos por Belo Monte para a mesma área e população.


Do ISA

Eletricidade: um negócio rentável no Brasil. Entrevista especial com Dorival Gonçalves Júnior

“Durante a campanha eleitoral, o PT assumiu o compromisso de promover mudanças com vistas a assegurar a ‘atratividade’ dos investimentos em toda a cadeia, no caso da indústria de eletricidade, sem abrir mão dos fundamentos executados pelo governo do PSDB”, lamenta o engenheiro.

"As hidrelétricas no Brasil tornaram-se fábricas de produção de eletricidade, de risco de realização da receita nulo e elevada lucratividade”. É a partir dessa crítica que o engenheiro Dorival Gonçalves Júnior (foto) aponta as medidas políticas dos últimos anos, que têm transformado o setor elétrico brasileiro em uma fonte rentável para investidores nacionais e internacionais, e “a eletricidade em mercadoria internacional”. “Vender eletricidade produzida em base hidráulica, ao preço da produção térmica, transformou esta cadeia produtiva em fonte de elevada lucratividade e de intensa disputa de muitos setores capitalistas”, diz à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail. E esclarece: “Desde 2004, com a lei 10.848, os novos empreendimentos hidrelétricos são licitados pelo Estado Brasileiro em leilões. Ganham o direito de construir e explorar economicamente o recurso hidráulico o consórcio de empreendedores que se dispõe a construir e vender no mínimo 70% da energia produzida, ao menor preço em reais por cada 1.000 KWh (R$/MWh) para as empresas distribuidoras. Estas últimas são as empresas que vendem eletricidade para a quase totalidade da população brasileira (consumidores residenciais, comerciais, médias e pequenas indústrias, correspondem por volta de 75% do consumo nacional)”.
Para ele, a aprovação da lei 12.783, consequência da MP 579, “é a continuidade de uma política que busca dar competitividade aos capitalistas que optarem por instalar seus negócios no Brasil”. Gonçalves Júnior também questiona a redução de 18% da conta de luz, porque não atende à proposta das classes trabalhadoras. Para ele, o anúncio de diminuição das tarifas tem “um forte apelo ideológico" para as massas trabalhadoras de que o governo está trabalhando pelas causas populares ao diminuir o custo da tarifa das residências dos trabalhadores e na manutenção/criação de empregos. Por outro lado, todos os capitalistas sabem que a diminuição das tarifas para os trabalhadores – se ocorrer – significa a diminuição do custo de reprodução da força de trabalho, logo está se criando mais um espaço para a expansão do lucro”.


Dorival Gonçalves Júnior é Engenheiro Eletricista, especialista em Sistemas de Potência, pela Universidade Federal do Mato Grosso – UFMT, e em Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs, pela Unifei-MG, mestre e doutor em Engenharia pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente leciona na UFMT.



Confira a entrevista: 


IHU On-Line - Como avalia a Lei 12.783, oriunda da MP 579, sobre a renovação das concessões do setor elétrico?
Dorival Gonçalves Júnior - Antes de lhe responder preciso deixar claro que a minha avaliação é feita segundo a perspectiva da classe trabalhadora. Assim, a MP 579, agora Lei 12.783, é uma iniciativa do governo para tentar superar uma das contradições engendradas no interior da recente reforma industrial que aconteceu na cadeia produtiva de eletricidade. Estou falando dos elevados preços da eletricidade que atinge diretamente a classe trabalhadora, parcelas significativas da burguesia industrial e comercial brasileira. O processo de mudança patrimonial e política iniciado em meados de 1990, com a finalidade de resgatar o controle da exploração do trabalho através do processo de privatização e, consequentemente, o aumento da exploração dos trabalhadores através da demissão e intensificação do trabalho, concomitante à institucionalização da eletricidade como mercadoria com o seu preço internacionalizado, entre outras medidas tomadas, não tinham assegurado até o início dos anos 2000 a “atratividade” para os investimentos na geração. Isto acabou colaborando para o racionamento entre junho de 2001 e fevereiro de 2002. O governo do PSDB, que capitaneava este processo, apesar de ter estabelecido uma série de encaminhamentos, que mesmo sob o racionamento, garantiu a continuidade dos lucros, acabou perdendo credibilidade. Este evento associado a outros, permitiram ao PT credenciar-se para substituir o governo do PSDB. 

Compra de eletricidade 
Durante a campanha eleitoral, o PT assumiu o compromisso de promover mudanças com vistas a assegurar a “atratividade” dos investimentos em toda a cadeia, no caso da indústria de eletricidade, sem abrir mão dos fundamentos executados pelo governo do PSDB. Isto é, manter a indústria de eletricidade organizada pelos “sinais de preços”. O PT eleito, após mais de um ano em discussão com todos os setores da burguesia industrial, comercial, e financeira interessada na cadeia produtiva de eletricidade, institucionalizou, em março de 2004, as leis 10.847 (criação da EPE) e 10.848 (comercialização da energia elétrica). Estas leis consolidaram um conjunto de medidas que solidificaram a elevada lucratividade da indústria em toda a cadeia e, além disso, reduziram os riscos dos investidores na geração, ao ancorar os novos empreendimentos com contratos de longo prazo, na conta de eletricidade dos consumidores do “mercado regulado”. A partir de então, a venda da eletricidade é feita em dois ambientes. O primeiro é o ambiente de contratação regulada, onde a eletricidade tem a tarifa definida pela ANEELatravés de uma metodologia que assegura o preço internacional para a eletricidade. É neste ambiente que os consumidores residenciais, comerciais, e médias/pequenas indústrias compram por volta de 70% da eletricidade vendida no país. O outro, é o ambiente livre, onde grandes consumidores compram sua energia diretamente dos geradores, e dependendo da maneira que estão ligados no sistema de transporte de eletricidade do país, pagam “pedágio” pela transmissão e/ou “pedágio” pela distribuição. Esta foi a forma que arquitetaram para garantir aos setores capitalistas uma forma de poder comprar sua eletricidade abaixo do preço internacional, especialmente, pela possibilidade de poder tirar partido da produção no período de chuvas. 
Assim, neste quadro institucional, a segurança econômica dos projetos estava garantida para todos os agentes industriais, comerciais e financeiros participantes da cadeia. Fato que pode ser evidenciado no crescimento das instalações de produção. Entre 2004 e 2012 a potencia instalada no país saltou de 90 GW para 120 GW. Acrescenta-se ainda, as estes 120 GW, a existência 26,6 GW em construção. Em termos da expansão da indústria, destaca-se que os números da geração repercutem diretamente sobre a transmissão e a distribuição. Os inúmeros negócios na geração, na transmissão e na distribuição concomitante à venda da mercadoria eletricidade ao preço internacional, garantem a todos os participantes da cadeia, uma lucratividade inigualável no ramo, mundialmente. 
Mas, a partir da crise econômica instaurada em 2009, começa a surgir do lado da demanda, um movimento dos consumidores industriais e comerciais que compram eletricidade no mercado regulado questionando os preços praticados no país. Estes, com o objetivo de resgatar a competitividade em seus negócios, articulados nas federações de comércio e indústria, passam a questionar os reajustes anuais e as revisões tarifárias concedidas pela ANEEL às empresas distribuidoras. No ano de 2011, estes setores ganham apoio dos consumidores eletrointensivos, tais como os setores de: alumínio, papel celulose, petroquímico e siderúrgico. Grupos como a Alcoa, a Gerdau, entre outros, em audiências com o executivo, passaram a ameaçar o fechamento de plantas de produção no Brasil. A permanência do quadro de crise econômica, associado ao peso da eletricidade, na bolsa dos trabalhadores, nos custos das atividades industriais, comerciais e serviços, em síntese, a densidade política destes interesses, obrigou o governo a encaminhar politicamente estas reivindicações. 

Modelo mercantil 
Contudo, como em 2004, o problema para o governo era como exercer uma ação política de controle - neste caso no preço - e simultaneamente afirmar que mantinha o modelo mercantil como forma de organizar a cadeia de eletricidade. No contexto do debate sobre a redução das tarifas, havia consenso entre todos os setores capitalista nas questões relacionadas à redução dos impostos e dos encargos setoriais. Todos os setores capitalistas e os trabalhadores organizados (MAB, sindicatos de eletricitários etc) tinham clareza do vencimento de concessões de empreendimentos – maioria de propriedade de empresas estatais – na geração e transmissão, já amortizados. Sobre esta questão, os setores capitalistas interessados na redução das tarifas advogavam a privatização através de licitação e com suas tarifas reduzidas por se tratar de empreendimentos amortizados. Já os setores capitalistas da indústria de eletricidade (geração, transmissão, distribuição), a questão não estava em renovar ou licitar as concessões. Para estes, a definição pelo estado dos preços da eletricidade dos empreendimentos amortizados, sinaliza uma intervenção direta na definição dos preços em toda cadeia produtiva da eletricidade. 
Neste tema, os trabalhadores defendiam a renovação das concessões dos empreendimentos sob o comando das estatais e propunham que a venda da eletricidade dos empreendimentos amortizados, fosse destinada exclusivamente aos consumidores residenciais, como forma de reduzir acentuadamente as tarifas para este segmento de consumo. Além disso, os trabalhadores tinham pauta específica, em relação às condições de trabalho nas estatais. Então qual foi a saída arquitetada? Para compreender o encaminhamento dado, compete analisar o modus operandi do PT. O governo do PT tem, entre suas estratégias de poder, uma atuação política no Estado, no sentido de encaminhar medidas institucionais e econômicas com o objetivo de criar as condições para que interesses capitalistas nacionais/internacionais, tais como, os das cadeias produtivas ligadas: à mineração, energia, agronegócio, entre outras, sejam atraídas para instalar suas plantas de bens de produção, bens de consumo e bens de serviços no território nacional. Neste sentido, tirando partido da natureza privilegiada brasileira, que na ótica capitalista, esta natureza - combinada a tecnologias e à força de trabalho eficiente - é base de elevada produtividade do trabalho. Portanto, esta atuação política objetiva demonstrar às forças capitalistas que, ao realizarem os seus investimentos aqui, terão acesso a lucros superiores aos que obteriam em qualquer lugar do mundo. Esta política do governo do PT - de atração e expansão capitalista no Brasil - pode ser constatada: 
1. Na busca incessante de reorganizar o Estado em novas bases institucionais onde o planejamento (criação das: Empresa de Planejamento Energético e Empresa de Planejamento e Logística) a regulamentação/fiscalização (fortalecimento das agências reguladoras: ANEEL; ANP; ANA etc) do Estado se realiza com princípios de mercado; 
2. Na criação de políticas de controle do custo do crédito (redução de juros) e financiamento da produção e consumo ancoradas nos bancos estatais (Caixa; BB e BNDES); 
3. No emprego das estatais como empresas que alavancam o desenvolvimento de cadeias produtivas (caso do papel da Petrobras para o desenvolvimento de polos petroquímicos, do agronegócio na produção de etanol e biodiesel e daELETROBRAS nos consórcios de construção das grandes hidrelétricas e linhas de transmissão, são alguns exemplos deste apoio.) assegurando às empresas capitalistas os estágios de negócios mais lucrativos na cadeia de produção; e
4. Na expansão da oferta, através do Estado e da iniciativa privada, de uma rede de cursos de formação e especialização da força de trabalho (aumento massivo do número de vagas para a classe trabalhadora em escolas técnicas, universidades públicas e privadas) com vistas a aumentar a produtividade do trabalho dos trabalhadores brasileiros.

Projeto político do PT
Assim, o governo do PT, orientado por seu projeto político, supõe que, por um lado, atende a maioria dos segmentos capitalistas (nacional e internacional) que, atraídos por este cenário de oportunidades aos lucros extraordinários, veem no PT o partido político da ordem e defendem sua permanência no poder e, por outro lado, também tem apoio dos trabalhadores, pois mantido as políticas de aperfeiçoamento da produtividade da força de trabalho concomitante ao ambiente de crescimento econômico, independente das taxas de exploração do trabalho, grandes contingentes de trabalhadores são incorporados em processos produtivos. Isto aparenta aos trabalhadores a existência de melhores condições de trabalho, quando cotejadas as que existiam no passado recente.

Competitividade 
Então, recuperando a entrevista da Dilma no final de 2012, para o governo, este ano é “o ano da competitividade ...”. Portanto, a MP 579 (lei 12.783) é a continuidade de uma política que busca dar competitividade aos capitalistas que optarem por instalar seus negócios no Brasil. Esta norma atende a expressivos setores capitalistas. Isto pode ser verificado nas medidas políticas contidas na MP. A extinção da Reserva Global de Reversão - RGR e a redução daCota de Consumo de Combustíveis - CCC Cota de Consumo de Combustíveis e da Cota de Desenvolvimento Energético - CDE atende sem distinção a todos os setores capitalistas, sejam os da cadeia produtiva de eletricidade, sejam os que têm a eletricidade como um insumo em seus negócios. A renovação das concessões dos empreendimentos amortizados permite a diminuição das tarifas que varia entre 16% (para os consumidores residenciais) e 28% (consumidores industriais) no ambiente de contratação regulada. 
Assim, apesar de não atender a parcela organizada dos trabalhadores (MAB e sindicatos de eletricitários, entre outros), tem no anúncio de diminuição das tarifas um forte apelo ideológico para as massas trabalhadoras de que o governo está trabalhando pelas causas populares ao diminuir o custo da tarifa das residências dos trabalhadores e na manutenção/criação de empregos. Por outro lado, todos os capitalistas sabem que a diminuição das tarifas para os trabalhadores – se ocorrer – significa a diminuição do custo de reprodução da força de trabalho, logo está se criando mais um espaço para a expansão do lucro.

Interesses capitalistas 
Embora, o governo tenha feito um enorme esforço para não desagradar aos interesses capitalistas da cadeia produtiva de eletricidade, bancando os custos econômicos decorrentes da diminuição das tarifas nas empresas estatais, isto não impediu o descontentamento do setor que viu nesta MP, uma ação intervencionista de Estado e limitadora do mercado. 
Este cenário oportunizou ao PSDB, que vem de sucessivas derrotas políticas, a tentar se credenciar de novo como o partido político que melhor representa os interesses capitalistas. Por isso tomou a decisão política de não aceitar a renovação das concessões dos empreendimentos das empresas estatais (CEMIG, COPEL e CESP) nos estados (Minas Gerais, Paraná, São Paulo) em que este partido detém o poder. Então, a MP 579 (lei 12.783) expressa o resultado momentâneo desta disputa política e econômica intercapitalista. A forma como a mídia tem “criado” um estado de elevado risco de operação e desabastecimento da eletricidade no país é prova de que a disputa continua. E esta reação contrária à lei 12.783 tende a aumentar à medida que for se aproximando o período de renovação das concessões dos empreendimentos amortizados, que estão sob controle das empresas privadas. No capitalismo, não existe empresa que reduz o preço de suas mercadorias porque os seus meios de produção já estão amortizados. Pois, o trabalho dos trabalhadores em instalações, máquinas e equipamentos amortizados são fontes de lucros extraordinários que os capitalistas não abrem mão.

IHU On-Line - Qual a implicação de construir hidrelétricas nos rios do Pantanal?
Dorival Gonçalves Júnior -Para falar em hidrelétricas no Pantanal, antecede caracterizá-lo em termos de suas principais peculiaridades físicas e bióticas. Limitando-se ao Pantanal no território brasileiro, o Pantanal mato-grossense localiza-se nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, numa extensa planície banhada pela bacia do Alto Paraguai. Nas bordas da planície se estende uma estreita região de Planalto, divisora de águas das principais bacias brasileiras. No noroeste e norte de Mato Grosso, próximo ao divisor de águas do Pantanal com a bacia Amazônica, região que nasce o rio Paraguai, destacam-se os rios: Jauru, Cabaçal e Sepotuba. Na região norte, nordeste e leste de Mato Grosso, próximo ao divisor de águas do Pantanal com a bacia Amazônica e bacia do Tocantins está situada a bacia do rio Cuiabá, principal afluente do rio Paraguai na bacia do Pantanal. O rio Cuiabá se destaca pela dimensão de sua bacia de drenagem bem como pelos seus afluentes, como: o rio Manso; o São Lourenço e o rio Correntes. Outro rio afluente do rio Paraguai que se destaca é o rio Taquari, com sua bacia localizada no leste de Mato Grosso do Sul. 
Na região do Pantanal, a pluviometria média anual está em torno de 1.250 milímetros. O modo como ocorre o período seco e de chuvas acaba determinando o regime das águas na região que marcam as estações do Pantanal. Por isso, os habitantes nativos costumam dividir as estações no Pantanal em: “enchente” de outubro a setembro; a “cheia” de janeiro a março; a “vazante” de abril a maio; e a “seca” de junho a setembro. Os rios na região de planície são dotados de muitos meandros e canais que interligamos rios e as lagoas, constituindo grandes áreas de inundação nos períodos de cheias. É esta característica particular, como diz a pesquisadora da Embrapa Débora Calheiros, o “pulso das águas do Pantanal”, durante o período de cheias que faz os rios atingirem cotas suficientes para alimentar lagoas e as extensas áreas de alagamento, as quais determinam habitat especial responsável por uma rica e particular fauna e flora no pantanal mato-grossense.

Impactos das hidrelétricas 
Com estas considerações iniciais sobre o Pantanal é possível avaliar os impactos da construção de hidrelétricas nos rios do Pantanal. As hidrelétricas construídas estão localizadas na região de planalto da bacia de drenagem do Pantanal. A quase totalidade dos empreendimentos são usinas hidrelétricas a fio d’água e apenas uma delas é de reservatório de acumulação. Cabe destacar que as hidrelétricas a fio d’água são aquelas que a vazão afluente é igual à vazão de fluente. Isto é, a água que chega a montante das instalações da hidrelétrica, independente do volume, é lançada à jusante da instalação. Daí decorre o argumento de que este tipo de empreendimento causa baixo impacto, pois, segundo os que assim argumentam, este tipo de instalação não altera o regime hidrológico do rio. 
Esta argumentação, em geral se mostra falsa na realidade, especialmente, quando se trata das hidrelétricas construídas na bacia de drenagem do Pantanal. Um exemplo típico é o caso do rio Jauru, em Mato Grosso, afluente do rio Paraguai. Neste rio foram construídos seis empreendimentos sucessivos em uma extensão aproximadamente de 60 Km. De modo que, considerando as hidrelétricas instaladas da nascente para a foz, a água a jusante da primeira hidrelétrica está praticamente na cota da barragem da segunda hidrelétrica e assim sucessivamente até a sexta hidrelétrica. Constituindo uma cascata de seis barramentos sucessivos, que mesmo sendo todos empreendimentos a fio d’água,estes, proporcionaram um grande impacto direto ambiental e social no rio Jauru. Cerca de 60 km do curso do rio Jauru que eram - sem a construção das hidrelétricas -, dotados de pequenas cachoeiras combinadas às corredeiras foram transformados num conjunto de seis reservatórios sucessivos. Limitando a análise sobre o que ocorreu no curso original do rio Jauru, verifica-se que, por um lado, pôs fim a declividade natural do rio na extensão em que foram construídas as hidrelétricas atingindo diretamente as espécies de peixes migratórias e, por outro lado, os reservatórios individualmente - apesar de terem reduzida capacidade de armazenamento - por estarem dispostos de maneira sucessiva, possibilita ao conjunto de hidrelétricas uma capacidade de armazenamento na cascata que determina um novo regime hidrológico a jusante do complexo. O que mostra a fragilidade do argumento de que as hidrelétricas a fio d’água não alteram a vazão natural dos rios. 

Efeitos 
A dimensão dos impactos sociais e ambientais pode ser contatada na extinção do pescado e o desaparecimento da atividade dos pescadores do município de Porto Esperidião, em Mato Grosso, proporcionada pelas hidrelétricas construídas nestes últimos dez anos no rio Jauru. Situação muito semelhante a do rio Jauru -hidrelétricas construídas sucessivamente - já está parcialmente materializada nos rios: Juba - afluente do Sepotuba -; São Lourenço e afluentes; Correntes e afluentes; e o rio Itiquira, todos pertencentes à bacia do Pantanal. Mas, a condição de maior impacto ambiental e social, produzido diretamente por um empreendimento hidrelétrico localizado no Pantanal, é o caso da hidrelétrica Manso. Esta Hidrelétrica está localizada na foz do rio Casca com o rio Manso a cerca de 80 km da foz do Manso no rio Cuiabá. A hidrelétrica Manso é de reservatório de acumulação, cuja área de inundação se estende por mais de 43.000 hectares, seu reservatório tem uma capacidade de acumulação de volume útil de aproximadamente três bilhões de metros cúbicos. Os impactos diretos determinados por esta hidrelétrica são muitos.
Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB, por volta de 1000 famílias foram diretamente impactadas pelo empreendimento. Outro grande impacto verificado pela construção de Manso está no novo regime hidrológico imposto ao longo do curso do rio Cuiabá, principalmente, no trecho compreendido entre a foz do rio Manso no rio Cuiabá até a foz do rio São Lourenço no Cuiabá. Pois, como o rio Manso é o maior contribuinte nesta extensão – extensão do rio Cuiabá contida na região denominada baixada Cuiabana – com a construção da hidrelétrica a vazão do rio Manso, e por sua vez a do rio Cuiabá, ficou praticamente regularizada. Explicando a regularização. Com a construção da hidrelétrica o rio Manso não apresenta mais o seu regime natural, pois no período de “cheia” a maior parte da água afluente a barragem fica armazenada no reservatório para ser utilizada no período de seca. O rio Manso, a jusante do local onde está a hidrelétrica, tinha vazões de mais de 1.200 metros cúbicos por segundo, hoje as vazões neste período não ultrapassam 350 metros cúbicos por segundo, e, no período de seca, as vazões chegavam a menos de 20 metros cúbicos por segundo estando agora – após a construção da hidrelétrica - em torno de 150 metros cúbicos por segundo. 
Assim, com a regularização, o rio Manso que a jusante da barragem tinha durante o período de cheias vazões máximas superiores a 1.200 metros cúbicos por segundo e que durante a seca tinha vazões mínimas menores que 20 metros cúbicos por segundo passou, com a construção da hidrelétrica de Manso, a ter uma vazão que oscila entre o valor máximo e mínimo respectivamente de 350 e 150 metros cúbicos por segundo. Aqui, está a razão do grande impacto ambiental e social produzido pela hidrelétrica de Manso na região da baixada cuiabana. A construção da hidrelétrica alterou profundamente o regime hidrológico do rio Manso e do rio Cuiabá, especialmente, no trecho entre a localização da foz do rio Manso no rio Cuiabá e na foz do rio São Lourenço no rio Cuiabá. Ou seja, neste extenso curso do rio Cuiabá desapareceu o “pulso das águas”, com gravíssimas consequências, principalmente, para as áreas de planícies. Pois, o rio Cuiabá sofre significativa influência da regularização do rio Manso proporcionado pela Hidrelétrica Manso, de modo que, as águas em seu leito já não atingem as cotas capazes de através dos canais que ligam o rio às lagoas alimentá-las nos períodos de cheias. Assim, nesta área – baixada Cuiabana – as estações: “enchente”, “cheias”, “vazante” e “seca” foram intensamente modificadas. Para registrar é suficiente constatar o fim da atividade pesqueira em inúmeras comunidades ribeirinhas que se estendiam desde a cidade de Nobres até a cidade de Barão de Melgaço em Mato Grosso. As secas registradas nas Lagoas Siá Mariana e Chacororé, após a construção da hidrelétrica de Manso, são o testemunho inequívoco dos impactos ambientais produzidos no meio físico, biótico e social na região.

IHU On-Line - De acordo com os pesquisadores que estudam o Pantanal, as hidrelétricas e PCHs instaladas ao longo do bioma utilizam 70% do potencial hidrelétrico da Bacia do Alto Paraguai. O que esse valor significa e representa considerando a peculiaridade do bioma?
Dorival Gonçalves Júnior - Atualmente, a potência instalada pelo conjunto das 37 hidrelétricas (Usinas Hidrelétricas - UHE’s - são as instalações com potência instalada acima de 30 MW – e as PCH’s– são as denominadas Pequenas Centrais Hidrelétricas cujas instalações tem potência instalada compreendida entre 1 MW e 30 MW –) existentes na bacia do Pantanal está em torno de 1.140 MW, que corresponde exatamente à potencia instalada na UHE de Machadinho, localizada no rio Pelotas na divisa de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Este valor equivale – hoje – acerca de 1,2% da potência instalada em PCH’s e UHE’s no Brasil. Mas, cabe destacar, que o parâmetro geralmente utilizado - potência instalada em usina hidrelétrica - não é uma noção que mostra a produtividade da hidrelétrica. Este indicador diz respeito apenas à quantidade que a instalação poderá produzir. O parâmetro que indica a produtividade de uma usina é a sua energia firme. De maneira simplificada, energia firme - de uma usina de produção de eletricidade - equivale à quantidade de potência elétrica média que a usina assegura durante o período de um ano. 
Para exemplificar considere duas situações concretas. A primeira, a usina hidrelétrica de Manso, localizada no rio Manso na bacia do pantanal mato-grossense, que tem 210 MW de potência instalada e sua energia firme é de 92 MWmédios. A segunda, a usina hidrelétrica Serra do Facão, localizada no rio são Marcos – em Goiás – afluente do rio Paranaíba, com potência instalada de 210 MW, mas a sua energia firme é de 182 MWmédios. O que se procura mostrar aqui? Procura-se evidenciar que para compreender se uma usina hidrelétrica é produtiva é necessário saber a sua energia firme e não a sua potência instalada, como em geral, as propagandas para a viabilização de empreendimentos hidrelétricos fazem. Assim, pelo exemplo, as hidrelétricas de Manso e Serra do Facão, apesar de terem a mesma potência instalada – 210 MW –, Serra do Facão produz duas vezes mais eletricidade, em média por ano, do que a hidrelétrica de Manso. Então, utilizando a noção de energia firme verificamos a baixa produtividade média das hidrelétricas instaladas na bacia do pantanal, uma vez que, a produção na bacia não ultrapassa a 600 MWmédios. Este valor corresponde apenas a cerca de 1,1% da produção nacional, quando referenciado na produção hidrelétrica no Sistema Interligado Nacional em 2011.
Contudo, a irrelevância da produção das hidrelétricas do Pantanal não está materializada apenas no reduzido percentual de sua contribuição ao sistema interligado nacional, mas sim, no período que a sua produção é considerada significativa. As hidrelétricas localizadas na bacia do Pantanal operam todas interligadas ao Sistema Elétrico Nacional, e o período em que elas conseguem produzir maisé no período de maior pluviosidade na região Sudeste. E este período é exatamente quando existe excedente de eletricidade no sistema, pois as hidrelétricas do Sudeste, especialmente as da bacia do Paraná, estão “vertendo energia”. Para esclarecer, energia vertida é a operação – na hidrelétrica – no período em que a vazão afluente possibilitaria a produção da potência instalada. Mas como as cargas (residenciais, industriais, comerciais etc) não demandam esta capacidade de energia que a usina pode produzir e como o seu reservatório não tem capacidade de armazenamento para reservá-la para o período de baixa afluência, os operadores da hidrelétrica se veem obrigados a descartar parte da vazão afluente através dos vertedouros e não a direcionando aos grupos turbo-geradores, que produzem eletricidade. Esta operação – vazão lançada aos vertedouros - é denominada na usina hidrelétrica de energia vertida. 
Para ter a dimensão do quanto de energia é vertida nas hidrelétricas localizadas no Sudeste brasileiro, basta utilizar apenas os dados da hidrelétrica de Itaipu. Nesta, a média anual de energia vertida nos últimos seis anos (2006 a 2011), é maior que toda a energia que pode ser gerada pelo potencial hidráulico (construídas e levantadas) da bacia do pantanal. Assim, se nos referenciarmos: nas características de baixa produtividade das hidrelétricas do Pantanal; na insignificante contribuição que as hidrelétricas do Pantanal podem dar ao sistema interligado nacional; e, principalmente, nos impactos que estes empreendimentos estão provocando na bacia do Pantanal, não existem argumentos para dar continuidade à implantação de empreendimentos hidrelétricos no pantanal mato-grossense.

IHU On-Line - Quais são os interesses econômicos e políticos que tentam viabilizar a construção de novas hidrelétricas e PCHs no Pantanal?
Dorival Gonçalves Júnior - Para responder esta pergunta, exige recuperar alguns aspectos marcantes, relacionados ao processo de reforma na indústria de eletricidade brasileira. A crise de reprodução do capital na indústria de infraestrutura estatal nos anos 1980/90 – aqui, falo especialmente da indústria de eletricidade brasileira – resultante das políticas de utilização das empresas estatais pelas forças econômicas acabaram esgotando o modelo de estatal de produção de eletricidade. Isto impôs aos setores capitalistas ligados à cadeia de produção da eletricidade uma atuação política no sentido reorganizá-la em novas bases, com vistas a recuperar a acumulação de capital. 
Neste sentido, controlar diretamente todo o processo produtivo com vistas a resgatar a lucratividade, requeria a transferência do patrimônio estatal para o controle direto do capital. Por isso, o encaminhamento do processo de privatização das empresas elétricas e a organização das empresas estatais em bases de gestão privada. Outra medida política fundamental neste contexto foi a transformação da eletricidade em mercadoria internacional. Isto é, a eletricidade no Brasil, por ser predominantemente produzida a partir de recursos hidráulicos, tinha no período estatal – em acordo com os mais diversos interesses capitalistas – os seus preços vinculados aos custos da cadeia produtiva hidráulica. Isto fazia da tarifa de eletricidade brasileira, na época da produção sob a gestão do Estado, uma das mais baratas mundialmente. Então, outra medida central para resolver a crise de reprodução do capital era à institucionalização da mercadoria eletricidade ao preço de mercado, isto é, ao preço internacional. E, em 1994, o governo da época institucionalizou o preço da eletricidade brasileira, vinculando-a ao custo da cadeia produtiva térmica. Isto elevou as tarifas de eletricidade no Brasil ao dobro do que se pagava no período estatal. Vale lembrar que isto foi feito no exato momento em que se implantava no país um plano econômico – Plano Real – que reduziu praticamente à zero a inflação, fato que, permitiu obscurecer a manobra de exploração realizada.

Venda de energia
Vender eletricidade produzida em base hidráulica, ao preço da produção térmica, transformou esta cadeia produtiva em fonte de elevada lucratividade e de intensa disputa de muitos setores capitalistas. Desde então, os segmentos capitalistas ligados à indústria de eletricidade, organizados segundo os seus interesses específicos e gerais, atuam em várias frentes, sobretudo, no interior do estado brasileiro, procurando institucionalizar e regulamentar uma cadeia industrial para a eletricidade, aglutinada em negócios de baixo risco e fonte de lucros inigualáveis neste ramo da produção no mundo. 
Na atualidade, são quatro os segmentos de negócio: geração, transmissão, distribuição e comercialização. Desde 2004, com a lei 10.848, os novos empreendimentos hidrelétricos são licitados pelo Estado Brasileiro em leilões. Ganham o direito de construir e explorar economicamente o recurso hidráulico o consórcio de empreendedores que se dispõe a construir e vender no mínimo 70% da energia produzida, ao menor preço em reais por cada 1.000 KWh (R$/MWh) para as empresas distribuidoras. Estas últimas são as empresas que vendem eletricidade para a quase totalidade da população brasileira (consumidores residenciais, comerciais, médias e pequenas indústrias, correspondem por volta de 75% do consumo nacional). Aqui, é importante destacar que, quem ganha o leilão, conquista o direito de explorar economicamente o recurso hidráulico licitado por trinta e cinco anos. Em geral, cinco anos para construir o empreendimento e trinta para explorar economicamente sem riscos, pois, no leilão o grupo empreendedor conquista um contrato de venda de pelo menos 70% de sua produção para as empresas distribuidoras por trinta anos. Por isso, as hidrelétricas no Brasil tornaram-se fábricas de produção de eletricidade, de risco de realização da receita nulo e elevada lucratividade. Risco de realização de receita nulo, porque o grupo que ganha o leilão, já tem assegurado antes de construí-la, a venda de sua produção durante 30 anos com os contratos assinados e endossados pelo estado brasileiro com as empresas distribuidoras, que são obrigadas a comprar a sua energia nestes leilões. Elevada lucratividade, pois de um modo geral, estes empreendimentos tem sido conquistados, referenciados no custo de produção térmica. 

Hidrelétricas no Pantanal
No caso das hidrelétricas construídas na bacia do Pantanal, estas têm contratos de venda a preços que se constituem um verdadeiro assalto ao bolso dos trabalhadores brasileiros. Pois, a maioria dos empreendimentos foi construída tirando partido de formas contratuais carregadas de benesses proporcionadas pelo Estado, a exemplo doPROINFA. Este programa instituído em 2004, no bojo do clima do pós-racionamento 2001-02, em nome de aumentar a produção de eletricidade através de fontes alternativas (pequenas centrais hidrelétricas, biomassa e eólica) o Ministério de Minas Energia elaborou um programa definindo o valor econômico de cada fonte de eletricidade e incumbiu a ELETROBRAS de celebrar contratos de compra de eletricidade por 20 anos, com os candidatos à produção, com preços por MWhanálogos ao custo das térmicas. Oito PCH’s construídas na bacia do pantanal durante os anos 2000 têm contratos com o PROINFA. Este é caso das PCH’s José Gelasio (26,6 MW) e Rondonópolis (23,7 MW), localizadas no município de Rondonópolis, em Mato Grosso, no ribeirão Ponte de Pedra, pertencente à bacia dorio São Lourenço. São empreendimentos que somam receita anual em torno 30 milhões de reais (para comprovar esta informação basta recorrer ao site da ANEEL no seguinte endereço eletrônico: http://www.aneel.gov.br/cedoc/areh20121385_2.pdf). Como os investimentos realizados não ultrapassaram a 100 milhões nos dois empreendimentos, estas PCH’s - com contratos de 20 anos de venda de sua produção – tiveram os investimentos recuperados em pouco mais de três anos com a receita assegurada pelo PROINFA. Aqui, cabe a pergunta: Quem paga esta conta? Cabe destacar que os custos do PROINFA são rateados entre todas as classes de consumidores do Sistema Interligado Nacional e, evidentemente, quem paga é a classe trabalhadora, pois só com muita luta esta consegue transferir os custos de sua reprodução para a sua mercadoria - força de trabalho. 
Até meados de 2010, todos os locais com potenciais para instalação de PCH’s foram muito disputados como negócios de lucros garantidos. Atualmente, com a crise capitalista acentuada a partir de 2008, a indústria eólica mundial, com a suspensão de muitos contratos de venda de seus equipamentos, passou a disputar todos os mercados. O Brasil, considerada a organização institucional da indústria de eletricidade com a garantia do retorno ao capital investido, atraiu, em curto espaço de tempo, um grande número de montadoras de equipamentos eólicos. Estas, ao final de 2012, totalizavam no território nacional oito montadoras com uma capacidade de produção anual em torno de 3,9 GW. Estas empresas, associadas a outros grupos de interesse, passaram a participar dos leilões de novos empreendimentos, colocando os seus preços bem abaixo das Pequenas centrais hidrelétricas e das térmicas de biomassa. No último leilão de compra de eletricidade, ao final de 2012, as eólicas venderem eletricidade a menos de R$ 89,00/MWh, fato que, inviabilizou 22 projetos de PCH’s e 10 projetos de térmicas a biomassa que participaram do leilão. Assim, momentaneamente, a concorrência intercapitalista está detendo a expansão de empreendimentos hidrelétricos na bacia do Pantanal.

Do IHU

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Bancada ruralista se articula para derrubar vetos ao Código Florestal




Mal entrou em vigor, o novo Código Florestal (Lei 12.651/12) inicia 2013 em meio a polêmicas. No Congresso, a bancada ruralista se articula para derrubar os vetos da presidente da República, Dilma Rousseff, ao texto.
O vice-líder do DEM e integrante da Frente Parlamentar do Agronegócio, deputado Ronaldo Caiado (GO), quer aproveitar a análise de mais de 3 mil vetos presidenciais, que o Congresso poderá fazer em fevereiro, para resgatar o texto aprovado pelos parlamentares, sobretudo quanto à recuperação de áreas de preservação permanente (APPs).
“Foi acordado que a recuperação das áreas que já estão produzindo teriam uma escala em menor proporção, ou seja, elas teriam de ser avaliadas sobre a real necessidade de sua preservação. E, no caso dos cursos d’água acima de 10 metros, teríamos uma graduação menor na metragem. Esse foi o acordo feito e que, infelizmente, não foi respeitado pela presidente”, argumenta Caiado.

Vetos
O projeto original (PL 1876/99) do novo código, aprovado pelos parlamentares em maio do ano passado, já havia sofrido vetos parciais, que foram complementados pela Medida Provisória 571/12. Essa MP (convertida na Lei 12.727/12), porém, após ser modificada pelos parlamentares, também teve nove itens vetados por Dilma, em outubro, sob o argumento de não anistiar desmatadores e garantir a inclusão social no campo.
Desde então, um decreto presidencial resgatou a chamada “escadinha”, que traz regras diferentes de recomposição das margens desmatadas de rios, de acordo com o tamanho da propriedade.

Ministério Público
O novo Código Florestal também é alvo de três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) movidas pela Procuradoria Geral da República (PGR), no Supremo Tribunal Federal (STF). O Ministério Público questiona vários dispositivos da nova lei, entre eles a definição de APPs, a redução da reserva legal e a chamada anistia para quem desmatou até julho de 2008. O Partido Verde divulgou nota em apoio à iniciativa dos procuradores.
O coordenador de política e direito do Instituto Socioambiental, Raul do Valle, avalia que, apesar do atual momento de insegurança jurídica, o pior cenário seria a manutenção de uma lei que, segundo ele, possui itens inconstitucionais e que afetam o equilíbrio ecológico. “Não há dúvida de que haverá insegurança jurídica. Esse é o preço que os parlamentares que quiseram aprovar essa lei colocaram para a sociedade.”
Valle lembra que, na história recente do Supremo, poucos casos de relevância e complexos como a legislação ambiental foram decididos rapidamente. “Então, nesse contexto, acho que o ideal é implementar a lei e aguardar o que vai mudar. Acho difícil o STF derrubar a lei inteira, mas, muito provavelmente, retirará alguns pontos importantes, sobretudo no que diz respeito à anistia”, complementa.
Nas ações encaminhadas ao Supremo, o Ministério Público pede a concessão de liminar para a suspensão imediata dos dispositivos questionados no novo código, até o julgamento final do caso.

Reportagem – José Carlos Oliveira/Rádio Câmara
Edição – Marcelo Oliveira

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Índios vão precisar mais do que novas reservas para viver com dignidade, dizem líderes

Alex Rodrigues (Enviado Especial)

Dourados (MS) – A identificação e demarcação de novas reservas não bastam para garantir que os índios possam viver com dignidade, produzindo seus próprios alimentos e preservando seus hábitos e costumes. A opinião é dos líderes indígenas Ládio Veron e Otoniel Ricardo, ambos de Mato Grosso do Sul.


Para Ládio Veron, filho do cacique guarani kaiowá Marcos Veron, assassinado em janeiro de 2003, em Juti (MS), a União também tem que dar apoio técnico, financeiro e assistencial às comunidades indígenas pelo tempo que for necessário, até que suas terras recuperem a produtividade e os índios possam se manter por conta própria.

“Pelo grau de devastação, nós vamos receber uma terra nua [sem floresta] em que vamos ter que trabalhar muito para reflorestar. Então, também é preciso projetos de reflorestamento, projetos para que essas áreas se tornem sustentáveis. Para isso, os índios precisam de dinheiro", afirmou Veron à Agência Brasil e à TV Brasil. De acordo com Veron, a demora da União para demarcar as terras indígenas tem alimentado o conflito com produtores rurais, causando a morte de vários índios.
“A gente está cansado. Chega de falar. A solução é as autoridades demarcarem nossas terras e oficializarem toda a documentação. A gente já sofreu muito. Perdemos várias lideranças, inclusive o nosso cacique, meu pai, Marcos Veron, que foi morto na minha frente, enquanto eu era ameaçado de ser queimado vivo”, acrescentou Veron.
Outro a fazer semelhante alerta é o ex-vereador de Caarapó (MS), Otoniel Ricardo, da aldeia guarani kaiowá Te'yikue. Para ele, o nível de comprometimento dos recursos naturais antes existentes nos chamados territórios tradicionais indígenas é tão drástico que, além da terra, os índios precisam de apoio governamental para conseguir, por exemplo, reflorestar a maioria das áreas reconhecidas.

“Não basta demarcar. Precisa de um projeto político para fortalecer nossa autonomia e sustentabilidade. Sempre fomos produtores, artesãos, mas hoje não temos nada e, nessas terras do jeito como estão, não há como caçarmos ou plantarmos”, diz Ricardo, se referindo à maior parte das terras que os índios reivindicam no Mato Grosso do Sul, hoje ocupadas por grandes plantações de soja, cana-de-açúcar ou pelo gado.
Ricardo acredita que a proposta, em estudo, de que os fazendeiros que compraram terras legalmente no estado e que estão devidamente regularizados sejam integralmente indenizados - ou seja, recebam não só pelas benfeitorias, conforme prevê a Constituição Federal, mas também pela terra nua – é uma forma de tentar resolver o conflito entre índios e produtores rurais.
“A violência [no estado] é muito grande devido à [luta pela] demarcação de terras [indígenas]. Nós, indígenas, queremos nosso tekoha [território sagrado], não queremos mais sofrer ameaças, ver nossas crianças desnutridas, sem acesso a educação adequada. Enquanto isso, o outro lado, os produtores, também querem uma solução. A partir do momento em que demarcarem as terras, o progresso vai ser maior para todos, porque tanto nosso povo como o outro lado vão estar [juridicamente] seguros”, concluiu Ricardo.

Latin American Bureau: Dia de Terror no Mato Grosso

Seguindo os passos do governo brasileiro e seus esforços para limpar o caminho para a construção de novas barragens hidrelétricas na bacia do Amazonas, três correspondentes do LAB viajaram à região e mostram em primeira mão testemunhos dos recentes ataques brutais por parte da polícia em comunidades indígenas do Mato Grosso. Cinco vídeos dramáticos (editado para LAB por Nayana Fernandez) ilustram os eventos.

Por Bruna Rocha, Raoni Valle e Claide Moraes*
Colaboração: Ítala Nepomuceno
Tradução: Bebel Gobbi



A campanha do governo brasileiro contra a mineração ilegal de ouro na região pode ser um pretexto para enviar uma dura advertência aos Munduruku. No dia 07 de novembro, em uma demonstração de força brutal que lembra a ditadura militar, a Polícia Federal e Força Nacional de Segurança desceram com força total em cima da Aldeia Indígena Teles Pires, no norte do estado de Mato Grosso. A operação envolveu um helicóptero e dezenas de homens, armados com metralhadoras e fuzis, vestindo coletes à prova de bala. Até o final do dia, várias pessoas ficaram feridas e um homem - Adenilson Munduruku - foi morto. A polícia negou a morte, mas testemunhas dizem que uma bomba explodiu na cena do crime para encobrir evidências. O corpo de Adenilson flutuou à superfície do rio no dia seguinte.
Todos os habitantes da aldeia, incluindo os idosos, mulheres e crianças, ficaram traumatizados, foram obrigados a deitar no chão sob o sol escaldante, sem água por muitas horas. Eles não foram autorizados a falar uns com os outros em sua própria língua Munduruku. A maioria das imagens filmadas com seus telefones celulares, registrando a violência, foi destruída pela polícia.
As autoridades parecem ter tentado encobrir o assassinato, os primeiros relatos para a imprensa só mencionaram feridos e descreveram uma emboscada contra a polícia. É altamente improvável que esta emboscada realmente tenha acontecido, dado que o helicóptero voando baixo, visto na filmagem, teria tornado praticamente impossível para os índios escaparem. 
A draga no rio em frente da aldeia, usada para extrair ouro - que foi, alegadamente, o motivo para a operação policial, já que a mineração não é permitida lá - foi destruída, assim como também destruíram todos os conteúdos a bordo. Como resultado, o rio foi contaminado pela gasolina e outros produtos químicos. 
O que levou ao uso de violência indiscriminada por parte das autoridades federais contra uma aldeia indígena? 
A operação fez parte da "Operação Eldorado" - uma campanha para combater atividades ilegais de mineração de ouro ao longo do Rio Tapajós e seus afluentes. A bacia do Tapajós é atualmente a região do Brasil com maior mineração de ouro, mais da metade dos 110.000 garimpeiros da região amazônica trabalham lá.
O garimpo ilegal é tão difundido na região, que parece estranho que a aldeia indígena deveria ser o alvo da operação, já que seu funcionamento é relativamente pequeno. Pode haver alguma outra razão?
A Aldeia Teles Pires está na vanguarda da resistência contra a construção de hidrelétricas - sete das quais são planejadas para a bacia do Tapajós. Uma delas está sendo construída nas Sete Quedas, que estão entre os lugares mais sagrados para os Munduruku: para eles, o mundo começou lá. Agora, a área está sendo dinamitada para a barragem Sete Quedas. 
Vinte dias antes do "dia do terror", como os índios se referem a ele, uma dura advertência foi emitida por Marta Montenegro, representante da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) , em uma reunião na cidade de Itaituba. Ela deixou claro que, se os Munduruku continuassem se recusando a permitir estudos de impacto ambiental relacionados às barragens, o governo teria que usar a força e enviar guardas armados para acompanhar os pesquisadores. Ela fez referência explícita ao emprego da Força de Segurança Nacional e disse que a FUNAI não seria capaz de proteger os índios em tais circunstâncias. 
Mais cedo, um grupo de pesquisadores havia sido expulso por índios Munduruku em uma área à direita do rio a ser inundada pela UHE São Luiz do Tapajós, a maior do complexo, que irá abranger mais de 700 quilômetros quadrados em uma das melhores áreas preservadas da Amazônia. 
Os pesquisadores não tinham pedido permissão para realizar seus estudos na área porque ainda não foram oficialmente demarcadas como terras indígenas, devido a atrasos no processo de regularização. No entanto, a área tem sido historicamente ocupada pelos Munduruku. A reunião em Itaituba, no dia 17 de Outubro, foi realizada a fim de obter dos Munduruku um acordo para a realização dos estudos de licenciamento ambiental.
Mas os Munduruku são muito conscientes de que permitir os estudos significa mais um passo para a construção da barragem. Apesar do uso de palavras tais como "diálogo" e " participação", as autoridades não fizeram nada para sugerir que eles vão garantir aos índios a não construção das barragens, considerando a legislação brasileira e os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Então, os índios não têm opção a não ser resistir. 
No momento em que a Comissão da Verdade investiga os crimes cometidos durante a ditadura militar, incluindo aqueles contra as populações indígenas que "ficaram no caminho" de grandes projetos de infra-estrutura, algumas pessoas vão se perguntar se a presidente Dilma Rousseff pode estar se preparando para repetir os crimes de seus antecessores militares, a fim de limpar o caminho para a construção de barragens na região amazônica. O lema imortal de Cândido Rondon, o fundador do SPI, há cem anos atrás - "morrer se for necessário, mas matar nunca" (índios) - parece estar se transformando em um eco fraco do passado.

Vídeo 1: O corpo de Adenilson Munduruku


Vídeo 2: Eu tenho o rádio. Muitas pessoas estavam gritando.


Vídeo 3: Eles estavam atirando muito perto



Vídeo 4: No chão, algemado com as mãos sobre as suas cabeças.



Vídeo 5: Eles pegaram nossos telefones e os destruíram.


*O texto em inglês pode ser lido na íntegra AQUI.

É a realidade que se faz presente ou é a mentira que tem pernas curtas em Belo Monte? artigo de Dion Márcio C. Monteiro

Por Dion Monteiro*
Belo Monte: Foto tirada em janeiro/2012, ainda no inicio das obras das ensecadeiras. Foto: João Zinclar
Antropólogos, hidrólogos, engenheiros e biólogos, entre outros professores e pesquisadores, que por muito tempo tem avaliado os impactos da UHE Belo Monte, incluindo o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que o Governo Federal encomendou às empreiteiras Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez, sempre afirmaram que o início das obras no rio Xingu traria consigo grandes problemas aos povos indígenas da região, em especial aos Arara da Volta Grande, Juruna do Paquiçamba e Xicrin do Bacajá.
Os representantes da Norte Energia S.A (NESA) e do Governo Federal sempre negaram que a construção das ensecadeiras e demais estruturas afetaria o modo de vida destes povos, afirmando com todas as letras que não haveria significativos danos às referidas áreas.
Um impacto relativamente pequeno e o não alagamento de terras indígenas tem sido o principal argumento do governo e da empresa, quando justificam a não necessidade de realização das famosas oitivas indígenas, matéria até hoje pendente de julgamento definitivo por parte do Superior Tribunal Federal.
No dia 07 de janeiro/2013, dezenas de índios Juruna fecharam o Travessão do Km 27, estrada que liga a rodovia Transamazônica ao Sítio Pimental, local onde estão sendo realizados os trabalhos de barramento do rio Xingu. Ônibus e máquinas pesadas ficaram presos, e todos os 4 mil operários que lá trabalham paralisaram suas atividades.
Os Juruna decidiram fazer mais esta ocupação devido aos atuais problemas verificados no Xingu, situação resultante, entre outras coisas, do descumprimento de vários acordos realizados entre os povos indígenas, o Governo Federal e a NESA.
Aqui vale lembra que em julho de 2012 foi encerrada uma das maiores ocupações indígenas já realizadas no local. De lá para cá já se passaram seis meses e praticamente nada do que foi acordado foi cumprido pela empresa. Naquele momento ficou definida a criação de um comitê indígena para monitorar a vazão do rio; a criação de um comitê gestor indígena para acompanhar as compensações da obra; a realização de estudos complementares no rio Bacajá, afluente do Xingu; e o plano de proteção das terras indígenas afetadas, entre outras demandas emergenciais.
Com esta nova ocupação os Juruna estão denunciando o que ha muito tempo os especialistas já avaliavam. As águas ficaram turvas e foram contaminadas com rejeitos da obra, prejudicando o uso que os povos indígenas fazem desta. Juruna, Arara e Xicrin, para citar somente alguns grupos da região, utilizam a água do rio Xingu para o banho de adultos e crianças, para lavar a roupa que usam e inclusive para fazer a comida que consomem. A própria pesca também ficou prejudicada, pois os peixes estão muito mais escassos. A navegação é outro item que se encontra bastante comprometido na Volta Grande do Xingu.
Conclusão: as confusões, farsas, mentiras e ilusões criadas pelo Governo Federal e Norte Energia não cessam.
Recentemente o Ministério Público Federal (MPF) conseguiu na justiça que o Governo Federal e a NESA sejam obrigados a utilizar o estudo independente feito por especialistas da Universidade Federal do Pará (UFPA) para a definição da chamada cota 100, limite de altura de 100 metros acima do nível médio do mar.
Abaixo dessa altura pode haver alagamento permanente se a usina for construída, sendo obrigatória a retirada de todos os imóveis. Isto quer dizer que em uma estimativa técnica preliminar a população passível de ser atingida alcança cerca de 25.500 pessoas do núcleo urbano de Altamira, conforme os estudos da UFPA/MPF, e não 16.420, como apontado no EIA/RIMA da NESA, feito pelas empreiteiras a pedido do Governo Federal.
Outro problema recentemente verificado foi o não funcionamento do Sistema de Transposição de Embarcações (STE).
Mesmo a NESA tendo contratado uma empresa de Manaus, que está 24h a disposição de ninguém, o sistema não obteve êxito na primeira vez que foi acionado, no dia 28 de dezembro. Na ocasião o STE não conseguiu transportar uma voadeira de 12 lugares que tentava passar de jusante para montante do rio Xingu.
No mesmo dia que o STE se mostrava inoperante, incapaz de transportar a referida voadeira, o consórcio Norte Energia recebia a primeira parcela dos 22,5 bilhões de reais que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social vai repassar à NESA para a construção de Belo Monte. Recursos públicos que estão sendo remanejados do PIS/PASEP e FGTS, alocados no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Tanto o Governo Federal quanto a NESA tentam, o tempo todo, caracterizar a UHE Belo Monte como um fato consumado, mas, nesse caso, o verdadeiro fato consumado é a inviabilidade desta obra, em todos os aspectos.
Independente da nossa vontade, a realidade sempre se faz presente, da mesma forma que a mentira tem pernas muito curtas, como dizia nossa avó. A UHE Belo Monte é somente mais um exemplo disso.

*Dion Márcio C. Monteiro é Pesquisador do Instituto Amazônia Solidária e Sustentável (IAMAS) e componente do Comitê Xingu Vivo.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

DOU publica Relatório de Identificação e Delimitação de Mbarakay e Pyelito, criando a TI Guarani Kaiowá Iguatemipeguá I

Por Tania Pacheco, do Combate ao Racismo Ambiental


Em despacho datado de 7 de janeiro de 2013, a Presidente da Funai, Marta Maria do Amaral Azevedo, acolheu e aprovou o Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Iguatemipegua I (Mbarakay e Pyelito), de ocupação do grupo indígena Kaiowá, localizada no município de Iguatemi, Estado do Mato Grosso do Sul.
O despacho está publicado no Diário Oficial (DOU) de  8 de janeiro (secção 1, p.25-29) , seguido do Relatório, de autoria da antropóloga Alexandra Barbosa da Silva, que é um documento ao mesmo tempo técnico e contundente, justo e indignante, científico e revoltante. Aí vai ele na íntegra, retirado apenas o início com números de processos etc e com o texto separado em parágrafos, ao contrário dos blocos ilegíveis do DOU.
O Resumo merece ser lido por tod@s @s brasileir@s dign@s. A equipe coordenada por Alexandra Barbosa da Silva deu nomes aos “donos dos bois” e a seus asseclas e mostrou claramente como os Kaiowá Guarani foram esbulhados ao longo das últimas décadas. Parabéns a ela e à equipe! Parabéns a todas as pessoas que foram execradas (e nos últimos dias perseguidas pelo Facebook) por terem acrescentado “Guarani Kaiowá” aos seus nomes! Parabéns, acima de tudo, aos Guarani Kaiowá! É a primeira de uma série de vitórias e conquistas que têm que acontecer o mais rápido possível! Que vengan!


Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Iguatemipegua I

I – Primeira Parte – Dados gerais
Os povos indígenas Guarani Kaiowa e Guarani Ñandéva, falantes da língua guarani, integrantes da família linguística Tupiguarani e do tronco Tupi, em Mato Grosso do Sul ocupam o Cone Sul do estado, somando 46.675 pessoas (fonte: Funasa, 2011), que se distribuem em 33 localidades (entre terras indígenas e acampamentos). A partir de dados arqueológicos e de fontes escritas sabe-se que os povos falantes do guarani habitam as florestas tropicais e subtropicais da parte meridional do Brasil (regiões Sul, Sudeste, além do atual Mato Grosso do Sul) desde 1.200 anos a.C., aproximadamente.
Desde a conquista europeia, diferentes indivíduos e agências não indígenas (como missionários e frentes de ocupação) vieram a impingir-lhes uma coexistência e uma viva interação, que tiveram efeitos cruciais sobre a dinâmica territorial destes povos. Na região do cone sul, especificamente, os relatos orais indígenas, bem como diversos registros e documentação escrita comprovam o uso e a ocupação tradicional kaiowa dos espaços territoriais que compõem o tekoha guasu constituído pelas terras da margem esquerda do rio Iguatemi. Trata-se, pois, de um amplo território, no interior do qual esses indígenas ocupam as margens e cabeceiras de cursos d’água (minas, rios e córregos) que convergem para o rio Iguatemi. Desse modo, o termo (guarani) “Iguatemipegua” refere-se àqueles que são relacionados a ou procedentes da região do (rio) Iguatemi.
Do ponto de vista histórico, está patente que a partir das últimas décadas do século XIX, migrantes paulistas, mineiros, gaúchos e paranaenses começaram a se fixar em meio aos ervais nativos do cone sul de MS, dando início a atividades agropecuárias na região, disputando terras com a Cia. Matte Larangeira e estabelecendo sérios obstáculos à ocupação indígena. De acordo com a documentação existente nos arquivos da Funai, nas décadas de 1910 e 1920 o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) definiu 8 lotes, com superfície de 3.600 ha (légua em quadra) cada, para serem reservados aos Kaiowa e aos Ñandeva, sempre no Cone Sul do estado. Sob a perspectiva assimilacionista, nesses lotes, situados próximo a centros urbanos, vieram a ser instalados postos administrativos, com a atração de indígenas de diferentes tekoha, com vistas a integrá-los ao modo de vida classificado como “civilizado”, liberando assim vastas extensões territoriais para a colonização. Esse projeto de colonização, assim, impôs aos indígenas um processo paulatino de expropriação (esbulho) territorial ao qual nunca houve conformação.
A demarcação dessas áreas deu-se efetivamente com extensões inferiores aos 3.600 ha e correspondem às T.I.s Benjamim Constant (2.429 ha) e Limão Verde (660 ha), em Amambai; Caarapó (3.594 ha), em Caarapó; Dourados (3.475 ha), em Dourados; Takuapery (1.886 ha), em Coronel Sapucaia; Porto Lindo (1.649 ha), em Japorã; Pirajuy (2.118 ha), em Paranhos, e Sassoró (1.923 ha), em Tacuru. Além disso, essas reservas abrangeram somente fragmentos de tendápe e/ou tekoha, sem levar em conta a especificidade da dinâmica territorial dos Kaiowa e dos Ñandeva. Com base em ampla pesquisa de natureza multidisciplinar, constata-se que esse processo histórico de esbulho renitente comprovado explica a atual situação de extrema vulnerabilidade social e territorial vivida pelos Kaiowa da TI Iguatemipegua I.

II – Segunda Parte – Habitação Permanente
O modo de ocupação do território pelos kaiowa configura-se historicamente sob a forma de grandes redes de aliança geograficamente referidas, com contornos sociológicos dinâmicos e fluidos, geralmente dispostas no interior de uma bacia hidrográfica definida. Uma ou mais te’yi ou ñemoñare (famílias extensas ou grupos macrofamiliares) articuladas assentam-se em um tendápe (microrregião ou cantão); vários tendápe articulados, por sua vez, configuram um
tekoha (“aldeia” ou “comunidade”, grosso modo); a articulação de vários tekoha resulta em um tekoha guasu/pavê (grande território).
Cada te’yi ou ñemoñare organiza-se em torno de um ancião e/ou anciã (tamõi ou jari). Tendo em vista que os Kaiowa organizam suas relações de parentesco em termos de bilateralidade, uma pessoa pode considerar-se pertencente tanto ao local de origem de seu pai como ao local de origem de sua mãe. O status do casal de líderes é proporcional ao número de famílias nucleares que compõem a parentela; neste sentido, a morte ou a substituição do casal articulador gera
rearranjos territoriais e políticos, podendo ocorrer a formação de um novo tekoha.
A partir de meados dos anos 1940, no interior do tekoha guasu Iguatemipegua foram transferidas compulsoriamente para as Reservas de Sassoró, Limão Verde, Amambai e Takuapiry muitas famílias kaiowa originárias das diversas microrregiões dos tekoha Pyelito e Mbarakay (como Mba’ e guay, Y hû miri, Tata rendy, Arroio Pe, Souza Kue, Yvu Pochy Guasu, Takuajusyry, Mbarakay’i, Tapesuaty, Aguara kua, Naranjaty guasu, Maci Kue, Remísio Kue, Itamoro, Jetyaisyry, Petyry, Yryvuy, Galego kue, Ysau, Pyelito, Mandiy e Siriguelo). Tais famílias estabeleceram laços de parentesco entre si, conformando redes de relações articuladas de modo indissolúvel com esses espaços territoriais. Além de documentação escrita, histórias de vida de algumas lideranças contemporâneas ilustram o processo mais amplo de esbulho territorial praticado contra essas famílias kaiowa.
Em relação ao tekoha Mbarakay, sabe-se que, em meados dos anos de 1950, na microrregião denominada Mba’e guay, instalou-se o não índio de nome Vidal Amaral. Mba’e guay localiza-se de modo central no tekoha Mbarakay e era onde à época vivia a família encabeçada pelo tamõi (chefe de família extensa) Major Gonçalves. Não tardou para Vidal soltar seus bois pelo Mba’e guay, numa estratégia bastante comum na época. De acordo com a memória oral dos indígenas, antes de Vidal ali chegar, os Kaiowa residentes, além das roças, possuíam também algum gado vacum e porcos, além de alguns cavalos, aos quais Vidal Amaral ajuntou seus próprios animais, de modo a misturá-los e confundí-los com aqueles dos indígenas. Perante o descontentamento dos kaiowa, o fazendeiro afirmava que se estes estivessem descontentes, poderiam se mudar.
Foi então que o tamõi Major Gonçalves deslocou-se com sua família para a microrregião Souza Kue, onde já se encontrava outra família kaiowa, chefiada por Leandro Martins. Este último (já ancião) lembrou-se de que anteriormente (quando ainda era rapaz, isto é, mitã rusu), homens da família não indígena Aquino assenhorearam-se de diversas microrregiões de Mbarakay; assim, Alitre e Selvino Aquino apossaram-se da microrregião “Maci Kue”, momento em que a família de Leandro teve que sair de lá, indo justamente para a microrregião Souza Kue. Devido a esses deslocamentos todos, na microrregião Mba’e guay ficaram, de fato, aqueles que aceitaram prestar serviços para Vidal.
Já por conta da coação de outro não índio, Dingo Silveira, que se instalou também no que é reconhecido como a região de Mba’e guay, o indígena filho de Major Gonçalves (Aristides Gonçalves) e sua mãe acabaram indo para a T.I. Sassoró. Contudo, devido à necessidade de mão de obra, posteriormente Dingo incorporou Aristides e seu irmão, já no trabalho “na diária” (isto é, trabalho remunerado por dia). Já para fins da década de 1960 chegou à microrregião denominada Yvu Pochy Guasu (literalmente, “mina [d'água] grande e brava”) o não índio conhecido como Otacílio, e antes dele, o “gato” (empreiteiro) José Escobar, para quem alguns kaiowa trabalharam na derrubada de mato.
Com Escobar já explorando a mão de obra indígena, Otacílio e Escobar se aliaram para a retirada e comércio de madeira. Dentre os que trabalharam para Escobar estava Rondon Rodrigues (filho do tamõi Bringo Rodrigues e pai de Adélio Rodrigues). Em outro momento, tanto Rondon quanto seu irmão, Orcídio Lopes Rodrigues, foram trabalhar com outro fazendeiro, o Breda, que se instalara e derrubara o mato na microrregião de Tapesuaty – isto quando Orcídio tinha pouco mais de 20 anos, ou seja, no fim dos anos de 1950.
Orcídio conta que saiu do lugar, mas Rondon ficou, com a mãe, só que não mais podendo fazer roça nem criar animais para si. Orcídio foi com a esposa para a reserva de Sassoró, onde seu sogro estava residindo. A família de Adélio Rodrigues se viu obrigada a se retirar do tekoha em meados de 1970, sendo que outras famílias kaiowa lá permaneceram. No ano de 1974, após serem expulsos pelo fazendeiro Otacílio, missionários da Missão Evangélica Kaiowa iam a Mbarakay para buscar os indígenas de caminhonete e levá-los para a reserva de Sassoró. Por seu turno, Pyelito é o nome dado a um tekoha pelas famílias kaiowa daí originárias. Nas fontes escritas é possível encontrar grafias como “Povinho”, “Pueblito” e “Poblinho” para referi-lo.
Esse termo, provavelmente, acabou firmando-se a partir da fala de não índios de origem paraguaia, que se estabeleceram na região. Conforme se depreende de seu significado em castelhano (i.e., “pueblito” = pequeno povoado), o termo refere-se à existência de um pequeno agrupamento humano. Entre os índios, a pronúncia em guarani se torna “pyelito”, muitas vezes sendo-lhe adicionada a partícula ”kue” (indicativa de tempo passado, significando “o que foi” ou “o que era”); assim, “Pyelito Kue” designa “o [lugar] que era o Pyelito”.
Os kaiowa entrevistados remeteram sua saída compulsória de Pyelito aos anos de 1940 e a 1950, sendo que o deslocamento mais significativo deu-se já durante os anos de 1970. A lembrança desses indígenas é que três irmãos de sobrenome Nogueira (isto é, Oscar, Filomeno e João) foram os primeiros não índios a se apresentarem como proprietários nos espaços do tekoha Pyelito. Outro parente dos Nogueira era Fortunato Fernandes, que se tornou proprietário de uma fazenda, incluída no território do tekoha Pyelito. Filomeno Nogueira é aquele mesmo que encontra-se referido em documentos do SPI como “Philomeno Nogueira” (como no “telegrama de n° 1738″, do dia 3 de agosto de 1942, destinado ao chefe do Posto Indígena Benjamim Constant), onde pedia que o funcionário tomasse “providências
no sentido de mandar retirar de minha propriedade ‘Santa Rita’ uma turma de índios que ali se acham. Pois estão me prejudicando na minha referida propriedade”. Segundo os entrevistados, Philomeno foi promovendo uma fragmentação da propriedade sobre a terra, provocando com isto o aparecimento de vários outros ocupantes não indígenas – entre estes, um cidadão paraguaio, de nome Moisés.
Os irmãos Alcebíades Vargas e Elcílio Vargas (ou “Delcílio”), junto com seus genros Aníbal Ramos e Ubaldo Porto, também foram referidos como tendo se apropriado de outras microrregiões que compunham o território de Pyelito. Especificamente na microrregião denominada Pyelito, foi por pressão direta do paraguaio Moisés que os kaiowa que aí viviam tiveram que deixar o local. Entretanto, Elcílio Vargas, que havia se instalado na microrregião de Ysau (vizinha da
microrregião Pyelito), ao invés de expulsar as famílias que lá viviam, passou a atrair aqueles que haviam sido expulsos de Pyelito. Os Kaiowa foram unânimes em afirmar que Elcílio Vargas difundia em toda a região que todos os de Pyelito que quisessem, poderiam se mudar para o Ysau, pois aí seriam acolhidos e teriam trabalho.
Como se pode perceber a partir dos documentos pesquisados, esse convite respondia à necessidade de mais mão de obra para o trabalho. Neste sentido, observa-se que a intensidade da pressão e dos conflitos sobre Pyelito variou durante os anos, conforme os títulos de propriedade foram sendo subdivididos. Ao passar das mãos de apenas uma pessoa às de várias outras, a subdivisão causou uma forte pressão e atingiu a dinâmica territorial interna das famílias de Pyelito, que viram-se obrigadas a ir se transferindo de uma microrregião para outra, se instalando nas já fazendas, obrigados a trabalhar para o novo patrão, ou mesmo a se afastarem do tekoha Pyelito, indo para as reservas criadas pelo SPI (mormente a de Sassoró).
Em que pese o processo de expropriação (esbulho renitente comprovado), verifica-se que essas famílias kaiowa continuam acessando pontos dos tekoha de origem para realizar suas atividades tradicionais. Assim, ainda que não tenham logrado manter a posse plena sobre a totalidade das áreas tradicionalmente ocupadas, os indígenas continuaram usando e ocupando essas áreas das maneiras que lhes foram facultadas: coletando, caçando, pescando, ainda que com grandes cerceamentos, assim como embrenhando-se nas matas ainda preservadas (de início) e depois na condição de “peões” das fazendas que se estabeleceram nos tekoha, ou ainda em trabalhos sazonais. Por isso, no presente observam-se iniciativas coletivas de recuperação dos espaços territoriais expropriados, sob a forma de acampamentos, restando comprovado que a colonização não foi capaz de destruir o vínculo indissolúvel que essas famílias mantêm com a TI Iguatemipegua I, o qual continua a estruturar sua visão de mundo e organização sociopolítica.

III – Terceira Parte – Atividades produtivas
O grupo doméstico (composto por uma família extensa de pelo menos três gerações) é o eixo em torno do qual giram todas as atividades entre os Kaiowa. Deste modo, é também para esta unidade sociológica que precisamos olhar para compreender como as atividades técnicas e econômicas destes indígenas são organizadas. É possível identificarmos dois principais níveis territoriais tanto de produção de recursos materiais e de alimentos quanto de acesso a estes.
O primeiro diz respeito ao espaço doméstico de um grupo de três gerações (isto é, um te’yi) e suas imediações, onde se desenvolvem as atividades culinárias, de produção de objetos e instrumentos, produção agrícola e de plantas medicinais e criação de animais, bem como a captação de água e o desenvolvimento de atividades de coleta de lenha, frutas, mel, e caça com armadilhas, nos casos em que o grupo doméstico esteja estabelecido junto a áreas florestais. Desse modo, os recursos necessários às atividades produtivas desenvolvidas pelos kaiowa da TI Iguatemipegua I encontram-se na área compreendida pelos córregos Mandiy, Ypane e Siriguelo, pelo rio Mbarakay e por todas as demais nascentes e cursos d’água conexos que compõem a microbacia do rio Hovy ["Jogui"] (por sua vez, constituinte da bacia do rio Iguatemi). O raio de ação deste primeiro nível territorial é de poucas centenas de metros a partir dos espaços das residências.
O segundo nível refere-se aos espaços amplamente diversificados (seja em tamanho, seja em características ecológicas)
onde são desenvolvidas as atividades definidas pelos Kaiowa como jeheka (“ir à procura de”), que incluem a coleta de matéria prima, frutos silvestres, certas práticas de caça e de pesca, mas também, nos dias de hoje, as transações comerciais e trocas (escambo), os trabalhos temporários em fazendas (as chamadas changas) e o engajamento
na colheita da cana para a indústria sucroalcooleira.
Neste segundo nível, o raio de ação poderá variar desde alguns quilômetros (no caso de existirem rios, córregos e matas nas imediações, bem como parentes assentados nas proximidades, com os quais se compor equipes para execução das atividades ou se estabelecerem circuitos de troca, internamente aos espaços de abrangência e de jurisdição de uma comunidade política local), até várias dezenas de quilômetros – quando o jeheka se orienta para mais longe das residências, em locais de pesca e de caça mais especializados, mas também, nos dias atuais, para as cidades, fazendas e usinas de álcool.
Com exceção para este último caso, em que a produção da cana pode ser localizada a centenas de quilômetros das residências indígenas, as outras atividades se dão quase que exclusivamente no interior do tekoha guasu (território amplo) a que as pessoas pertencem, sendo também acionada, para tal propósito, a ampla rede de parentes existente neste vasto espaço, a qual permite a criação de bases para o desenvolvimento de práticas mais especializadas de jeheka.
A literatura especializada e documentos ressaltam o fato de os Guarani serem povos agricultores. Até hoje a agricultura é a atividade de produção de alimentos mais valorizada pelos kaiowa, de modo que sua importância não se reduz a aspectos econômicos, mas abrange uma dimensão simbólica e ritual extremamente significativa. Tal importância da agricultura é percebida mesmo nas reservas superpovoadas, onde, embora bastante cerceada, ela segue sendo praticada, conforme se pôde constatar em todas as áreas visitadas pelos integrantes deste Grupo Técnico, ou seja, Amambai, Limão Verde, Sassoró e Takuapery (todas sendo áreas reservadas ainda pelo SPI), além da T.I. Jaguapiré (identificada e demarcada entre a segunda metade da década de 1980 e os inícios da de 1990). Nos lugares em que fazem suas roças, os kaiowa não formam monoculturas, consorciando vários tipos de plantas alimentares, como milho, mandioca, arroz, feijão, batata doce, cará, abóbora, cana-de-açúcar, banana, dentre outras, (plantando também urucum, usado como tintura, e eventualmente tabaco, principalmente para mascar).
Embora todas estas plantas façam parte da dieta dos índios, sem dúvida as mais importantes são a mandioca e o milho. A mandioca é cultivada durante todo o ano, constituindo-se em alimento que fornece carboidratos cotidianamente. As diversas variedades de milho ocupam um lugar particular. O avati morotî (milho branco), de modo especial, é importante nas relações cosmológicas, estando na base da cerimônia anual do avatikyry (o batismo do milho e das plantas novas), que ocorre entre fevereiro e março. Em relação à sua produção, ela é geralmente limitada, sendo que, no caso do milho branco, em decorrência também de sua raridade e escassez, o seu cultivo parece ter adquirido maior importância simbólica em relação ao passado, sendo hoje associado quase que exclusivamente a necessidades rituais – e, consequentemente, relacionado a atividades xamanísticas.
As atividades de caça e de pesca entre os Guarani não têm apenas uma função técnica e econômica; elas são tidas também como uma forma de esporte. Deste modo, elas são relevantes para os processos de socialização das crianças e para a competição (sempre jocosa) entre os indivíduos. Elas também compõem o rol de jeheka. A circulação pelo território implica no conhecimento deste, visando constituir um mapeamento dos recursos aí existentes. Desta forma, o
“andar” (oguata) pelo território quase sempre traz consigo uma combinação de atividades, podendo-se caçar, pescar, coletar frutos, mel e lenha. Ademais, nos dias de hoje, o jeheka se compõe ainda de trabalhos temporários (changa) nas fazendas ou nas usinas sucroalcooleiras, bem como de coleta de objetos (como latas e galões de plástico, que serão reutilizados para fins domésticos) nos centros urbanos, de transações de objetos etc.
Dadas as condições extremamente precárias, decorrentes da superpopulação nas terras de posse dos kaiowa em Mato Grosso do Sul, o trabalho sazonal nas usinas se tornou o meio francamente generalizado para obtenção dos recursos alimentícios e de consumo em geral das famílias, sendo complementado também por cestas básicas provenientes de programas governamentais. Cabe enfatizar que, se, por um lado, esses meios se generalizaram, favorecendo de algum modo a sobrevivência dos indígenas, sobretudo o trabalho nas usinas tem efeitos deletérios sobre a saúde, o bem estar e a longevidade de toda uma coletividade adulta masculina, além de se proceder, na grande maioria dos casos, em situações que colocam os Kaiowa (e Ñandéva) em geral em extrema vulnerabilidade social, com desrespeito a direitos humanos básicos.

IV – Quarta Parte – Meio ambiente
Uma constatação evidente hoje nas áreas em posse dos indígenas é a degradação ambiental em termos amplos. Contudo, não obstante essa degradação, os Kaiowa buscam formas de continuar coletando víveres, percorrendo o território, plantando e caçando, na medida do possível. Já uma terceira constatação salientada pelo estudo ambiental realizado é a de que os indígenas fazem de tudo para dar continuidade à relação que mantinham com os ambientes florestais nativos existentes em tempos passados.
A atividade agropecuária, com base na criação extensiva e na monocultura para comércio e exportação, provocou o quase total desmatamento do cone sul do estado de Mato Grosso do Sul. Assim, para os Kaiowa é evidente que decaíram os recursos provenientes das florestas e do cerrado nativos, sendo esta queda um fator influente no desenvolvimento das atividades dos indígenas no novo cenário ambiental.
A relação que os Kaiowa estabelecem com o meio ambiente e o território se desdobra em aspectos simbólicos e políticos bastante complexos, recorrentes no histórico de ocupação na região. A coleta nos remanescentes de mata e em todas as unidades de paisagem faz parte das atividades tradicionais cotidianas dos Kaiowa, quando os não índios permitem que eles frequentem estes lugares. Os índios procuram e coletam uma diversidade grande de produtos na vegetação nativa: madeira para construção, plantas medicinais e rituais, sapé e outras fibras para cobertura das casas, frutas, tubérculos, sementes, materiais para artesanato e mel. Para os Kaiowa, o mel é um dos produtos de coleta mais importantes. Os índios reconhecem grande quantidade de espécies de abelhas nativas e detêm um grande conhecimento sobre os lugares de nidificação e as formas e estruturas das colméias que variam em função de cada espécie. A vegetação da mata é certamente o ambiente que, pela sua riqueza natural, oferece mais produtos de coleta e de caça. Mas em todas as unidades da paisagem (mata, cerradão, campo, brejo, rios e córregos, minas de água) os índios encontram plantas que aproveitam para usos variados.
Dentre todos os produtos de coleta, as plantas medicinais têm um papel bastante privilegiado. A partir dos estudos ambientais realizados foi possível perceber a riqueza e a sofisticação do conhecimento sobre os elementos de um território onde os Kaiowa têm vivido por séculos, procedendo eles a uma investigação e a experimentações, obtendo, portanto, resultados mais condizentes com as necessidades para a reprodução física e cultural desses grupos. O conhecimento ecológico e o uso tradicional dos recursos naturais se mantêm, com vigor, nos dias de hoje, mesmo com condições ambientais bastante deterioradas.
O modo de ocupação territorial dos kaiowa consiste em um meio excelente de manejo, que contribui para a manutenção e a reprodução de condições otimizadas na relação das pessoas com o ambiente, e que, sobretudo, será um fator fundamental para a recuperação e manutenção dos recursos e para a reprodução física e cultural no interior da Terra Indígena Iguatemipegua I. Os recursos necessários ao bem estar dos kaiowa desta TI encontram-se na área compreendida pelos córregos Mandiy, Ypane e Siriguelo, pelo rio Mbarakay e por todas as demais nascentes e cursos d’água conexos que compõem a microbacia do rio Hovy ["Jogui"] (por sua vez, constituinte da bacia do rio Iguatemi), contemplados na presente proposta de limites.

V – Quinta Parte – Reprodução física e cultural
A terra é concebida como o lugar que foi entregue pelas divindades aos Kaiowa, para que nela vivessem e dela cuidassem; nesses termos, o valor dado à terra não é unicamente econômico, mas também, e de modo fundamental, um valor simbólico. A relação que cada comunidade estabelece com espaços territoriais específicos (tendápe ou microrregiões) é única e inextricável.
No que tange às práticas relativas à morte e portanto ao desaparecimento de um indivíduo tanto do seu mundo físico quanto social, entre os grupos de fala guarani em geral, a morte implica cuidados excepcionais para com a ”alma” do falecido. Grosso modo, enquanto ser completo, a pessoa é composta pelo menos de duas diferentes almas. A alma que corresponde à identidade pura e divina da pessoa (denominada ñe’e [= fala] expressa-se como ayvu [= pássaro]), a qual, após a morte do corpo, retornará ao patamar celeste de onde é originária. A segunda alma (o anguê ou anguêry) é aquela que se carrega das vicissitudes e impurezas da vida na terra; é a que constitui a sombra da pessoa e, com o falecimento do corpo, torna-se um potencial perigo aos vivos. Deve haver todo um cuidado ritual para que esta segunda alma não provoque males aos vivos; caso contrário, ela pode impingir-lhes doenças e mesmo a morte, sendo tida como geradora também dos suicídios. Por tal motivo, outrora, com espaço à disposição, se queimava a casa do falecido e seu grupo familiar se transferia para outro lugar.
Um conjunto de fatores – como a intervenção dos modos não indígenas de proceder aos sepultamentos e a cada vez maior dificuldade de queimar a casa e transferir-se, dentro das aldeias superpovoadas – levou à definição de um espaço único para sepultamento de todos os que habitam uma determinada terra indígena: o cemitério. Devido a concentração física dos corpos dos mortos – algo novo para estes indígenas – com os procedimentos e a relação com o morto permanecem nos limites estritos do seu grupo político e de parentesco. É importante destacar o imperativo da ligação inextricável com a terra à qual esta pessoa pertenceu em vida, tornando-se a lembrança do falecido e os seus despojos mortais parte do patrimônio simbólico daqueles vivos que constituem a sua comunidade de pertencimento.
Sepultar a pessoa numa terra com a qual não guarda uma relação de identidade, ou seja, à qual ela não pertence, constitui uma anomalia de difícil equação em termos cosmológicos e espirituais para os Kaiowa, constituindo-se em algo que deve ter, em algum momento, conserto para que o ordenamento sociocosmológico se torne aquele que deve ser, o correto. Por constituírem um indício significativo e materialmente visível da ligação dos indígenas com seu território, uma prática generalizada foi a de os proprietários não indígenas destruírem as sepulturas (yta) que se encontravam nos limites das fazendas, fato que provocou grande insatisfação e preocupação entre os indígenas também de modo generalizado.
A realização deste sentimento de autoctonia se dá através do recorte de espaços específicos dessa terra, que se tornam suporte para o desenvolvimento da vida de cada comunidade política kaiowa. Assim, é justamente uma jurisdição exclusiva por parte de cada comunidade sobre cada um desses espaços que permite identificar as fronteiras
intercomunitárias. Com efeito, não estamos diante da imagem de um território unívoco, como uma totalidade homogênea, mas de espaços territoriais diferenciados, de acordo com as comunidades que os povoam – ou seja, cada comunidade relacionada a seu tendápe (lugar ou microrregião específica). Neste sentido, o valor que é dado à terra
tem sido imensamente potencializado pelas comunidades kaiowa, justamente pelo fato de ela ter sido parcialmente retirada de seus domínios – o que lhes impede de realizar, como deveria, o seu próprio modo de ser e de viver (o teko porã).
As metáforas utilizadas pelos Guarani para indicar as características da terra são geralmente ligadas ao corpo humano, onde as funções primárias de comer, descansar e alimentar passam a ser atributos importantes para sua fisiologia. De acordo com pesquisas etnológicas recentes, os Kaiowa permitem que a terra se alimente durante o descanso previsto nas técnicas de coivara, mediante o qual haverá um reflorestamento espontâneo (denominado pelos índios de ñemboka’aguyjevy, ou seja, “deixar o mato voltar a crescer”), enquanto no lugar plantado será a própria terra que alimentará os índios. Os rituais (como o avatikyry), por sua vez, permitirão que esta terra não adoeça, mantendo o equilíbrio nessa relação simbiótica.
Assim, as áreas necessárias à reprodução física e cultural dos kaiowa da TI Iguatemipegua I, segundo seus usos, costumes e tradições, encontram-se na área compreendida pelos córregos Mandiy, Ypane e Siriguelo, pelo rio Mbarakay e por todas as demais nascentes e cursos d’água conexos que compõem a microbacia do rio Hovy ["Jogui"] (por sua vez, constituinte da bacia do rio Iguatemi).

VI Parte – Levantamento fundiário
A colonização do cone sul do estado de Mato Grosso do Sul revelou um processo de ocupação das terras por não indígenas iniciando-se em meados da década de 1830 – com migrações do norte de Mato Grosso, bem como posteriormente, de Minas Gerais e São Paulo (Corrêa, 1999) -, mas consolidando-se já nas primeiras décadas do século XX, na esteira do fim do monopólio obtido pela Companhia Matte Larangeira. A exploração da erva mate e o estabelecimento de fazendas foram responsáveis pelo desenvolvimento de infra-estruturas urbanísticas (lojas, mercearias e mercados, bancos, escolas, postos de saúde), o que acabou por dar lugar à constituição de arraiais e centros urbanos, de dimensões e portes variados.
O núcleo urbano de relativo porte mais antigo da região é Ponta Porã, cidade fronteiriça com Pedro Juan Caballero (Paraguai), cujo município atualmente conta com 77.872 habitantes (IBGE, 2010). Dourados, a segunda cidade mais importante do estado (depois da capital, Campo Grande), cujo município tem 196.035 habitantes (IBGE, 2010), até os anos de 1930 era apenas um distrito do município de Ponta Porã, constituindo um povoado. Na década de 1940 ocorreu a emancipação do município de Dourados, que nos anos 50 viu serem abertas estradas que permitiram a ligação com diversos pontos, ocorrendo um grande incremento da produção agrícola e um concomitante crescimento populacional, devido à migração, especialmente de gaúchos.
O estado de Mato Grosso do Sul como um todo, e seu cone sul em particular, sofreu um desmatamento progressivo em sua superfície, havendo, além de alguns investimentos em café, a formação de grandes extensões de pasto de modo generalizado, no correr dos anos 1960, mas com grande parte das matas ainda se mantendo conservadas até os primeiros anos da década de 1970. Durante esta década foi que se procedeu a um desflorestamento, este sim quase
total, da região, num período em que se efetivava a implantação, de modo maciço, da cultura extensiva da cana e mormente da soja, ao mesmo tempo em que se acentuava a mecanização das atividades agrícolas. Por seu turno, a extração madeireira também passou a se apresentar como atividade altamente rentável nesta década.
Na Terra Indígena Jaguapiré (município de Tacuru) há muitos índios que ainda nos anos 80 trabalharam para a derrubada de mato na região. As grandes e muitas empreitadas para derrubada do mato foram levadas adiante através da figura do empreiteiro (o “gato”), aquele que gerenciava o trabalho e subcontratava os índios. A maior parte desses empreiteiros foi de cidadãos paraguaios – repetindo o que ocorrera na exploração da erva no séc. XIX. Assim sendo, num primeiro momento, muito embora a terra tivesse sido recortada e titulada em imóveis particulares (as fazendas), muitas porções dela permaneciam inexploradas pelos não índios. Nos relatos de regionais é corrente a afirmação de que, quando imperavam as matas, se ouvia o rugir de onças, indicando que estes espaços não eram frequentados por não índios. Assim, se houve inúmeros casos de expulsão de famílias indígenas, houve também fazendeiros que empregaram mão de obra kaiowa no trabalho das fazendas.
Há documentos do SPI de que, nos anos 1940, havia “um grupo de 215 índios” vivendo no tekoha Pyelito, cuja posse passou a ser requerida por um “particular” (Antônio Lopes da Silva), o qual, por sua vez, havia encaminhado um pedido de titulação sobre 500 hectares de terra, obtendo, ao fim e de fato, sem que se tenha conhecimento de por quais motivos, uma parcela bastante maior: de 2.000 hectares. Uma vez alcançada a titulação, Antônio vendeu as terras a Philomeno Nogueira, que passou a pressionar pela retirada da comunidade indígena do local, vindo então os agentes do SPI a tomar providências, buscando os instrumentos legais para tal. Segundo relatos colhidos no âmbito dos trabalhos deste GT, Philomeno Nogueira foi promovendo uma fragmentação da propriedade sobre a terra, provocando com isto a fixação de vários outros não indígenas – entre estes, um cidadão paraguaio, de nome Moisés, que expulsou várias famílias do tekoha.
Os irmãos Alcebíades Vargas e Elcílio Vargas (ou “Delcílio”), junto com seus genros Aníbal Ramos e Ubaldo Porto, também se apropriaram de outras microrregiões que compunham o território de Pyelito. No que concerne especificamente à microrregião denominada Pyelito, foi por pressão direta do paraguaio Moisés que os kaiowa que aí viviam tiveram que deixar o local. Há documentação do então SPI (extinto em 1967) que relata a disputa fundiária dos indígenas não só com Philomeno Nogueira, mas com diversos outros não indígenas.
Como se constata, as famílias kaiowa entrevistadas pertencentes ao tekoha Pyelito, bem como aquelas pertencentes ao tekoha Mbarakay ocupavam os espaços constituintes da TI Iguatemipegua I sem serem importunadas em suas vidas e atividades por não indígenas; no primeiro caso, até inícios da década de 1940 e no segundo, até os inícios dos anos 1950. Seus relatos revelam, de modo coletivo, que foi a partir daqueles respectivos momentos que se viram premidas por não índios, que, ao se apossarem dos espaços territoriais aqui em questão, passaram a assumir estratégias distintas, seja incorporando-as como mão de obra, seja expulsando-as das terras. Ocorria ainda de mesmo as famílias incorporadas como mão de obra se desentendessem com o patrão e fossem então expulsas das fazendas. O retorno para a terra, porém, se deu em um significativo número de casos, já no trabalho para outros patrões, muitas vezes herdeiros dos primeiros. Tal estado de coisas revela uma persistência das famílias em permanecerem na posse dessas terras.
O esbulho sofrido, em grande número de casos, teve a participação de agentes do órgão indigenista oficial e, no caso da comunidade de Mbarakay, também de missionários. As terras que compõem a T.I Iguatemipegua I, ora delimitada, se encontram no que veio a se constituir como o município de Iguatemi, caracterizado por uma economia com base na agropecuária, enquadrando-se no chamado ”agronegócio”, em que a pecuária extensiva e a produção monocultora (voltada para o comércio e a exportação) é determinante para o modo de exploração da terra.
O povoamento de Iguatemi teve início a partir do Forte Iguatemi (construído entre 1765 e 1770), destruído em ataques das forças do Paraguai, em 1777. Em 1948 foi elevado a distrito e o município foi criado em 1963. No ano de 2007 ele apresentou uma produção de 33.600 ton. de soja em grão, 29.200 ton. de milho em grão e 375 ton. de feijão em grão (IBGE). A produção de gado bovino é uma grande marca sua: em 2011 o município apresentava um rebanho de 282.985 cabeças (fonte: IBGE). Em contraste, sua população humana em 2010 era de 14.875 hab., distribuídos em 2.946.524 km2 (IBGE); a relação pop./território é, assim, de 5,05 habitantes/km2.
Verificou-se que o panorama fundiário atual é resultado do processo histórico de esbulho renitente praticado contra os Kaiowa em geral e as famílias específicas das comunidades de Mbaraky e Pyelito. De acordo com os estudos de natureza cartorial e fundiária, foram detectados 46 imóveis no interior da TI Iguatemipegua I, sendo que destes foi obtida a área aproximada de 31 imóveis (por declaração de titulares ou de proprietários), que em conjunto somariam em torno de 32.253 ha, ou uma média de 1.040 ha por imóvel. Considerando apenas a porção do imóvel inserida na TI ora delimitada, a menor extensão é de 48 ha e a maior, de 5.339,4950 ha. As benfeitorias mais comuns são pastos e cercas, passando por currais e outras benfeitorias produtivas voltadas à pecuária de corte.
Nas sedes existem casas para funcionários, galpões para insumos e máquinas e casas sedes. Na área como um todo existem cerca de 85km de estradas cascalhadas, públicas. Em alguns imóveis há estradas particulares ou estradas de acesso compartilhadas com outros imóveis. Registre-se que a avaliação detalhada das ocupações e benfeitorias será realizada após a expedição da Portaria Declaratória da Terra Indígena Iguatemipegua I, com vistas ao pagamento de indenizações, na forma da lei.
Foi realizada consulta ao Cartório de Registro de Imóveis de Iguatemi, as informações solicitadas, no entanto, não foram enviadas a Funai até o presente momento. O respectivo ”Demonstrativo de ocupantes não-índios” é apresentado a seguir.


VII – Parte – Conclusão e delimitação
Tendo por base estudos de natureza etnohistórica, antropológica, documental escrita, ambiental, cartográfica e fundiária, reunidos por equipe técnica qualificada, autorizados por Portarias da Presidência da FUNAI, em conformidade com o disposto no Decreto 1775/96, conclui-se que a terra indígena ora delimitada consiste numa superfície aproximada de 41.571 hectares e perímetro aproximado de 100 Km (como representado em mapa e memorial descritivo, que seguem abaixo), situando-se no município de Iguatemi. A TI Iguatemipegua I é de ocupação tradicional das famílias kaiowa dos tekoha Pyelito e Mbarakay, apresentando as condições ambientais necessárias à realização das atividades dessas mesmas famílias e tendo importância crucial do ponto de vista de seu bem estar e de suas necessidades de reprodução física e cultural, segundo seus usos costumes e tradições, correspondendo, portanto, ao disposto no artigo 231 da Constituição Federal vigente.

Alexandra Barbosa da Silva
Antropóloga coordenadora do GT

MEMORIAL DESCRITIVO

Inicia-se a descrição deste perímetro no ponto P-01, de coordenadas geográficas aproximadas 23°17’24,3 S e 54°46’14,6 WGr., situado na confluência de um córrego sem denominação com o Rio Maracaí,; deste, segue pela margem direita do referido rio, a jusante, até o Ponto P-02, de coordenadas geográficas aproximadas 23°21’32,5 S e 54°36’34,3 WGr.; localizado na confluência de um córrego sem denominação, daí, segue pelo referido córrego, a montante, até o ponto P-03, de coordenadas geográficas aproximadas 23°25’15,5 S e 54°37’46,8 WGr., localizado na sua cabeceira em uma região de erosão; daí, segue por linha reta até o ponto P-04, de coordenadas geográficas aproximadas 23°26’03,5 S e 4°38’04,5 WGr., situado na cabeceira do Córrego Siriguelo em uma região de erosão; daí, segue pelo citado córrego, a jusante, até o ponto P-05, de coordenadas geográficas aproximadas 23°35’31,5 S e 54°41’51,8 WGr., localizado em uma ponte da rodovia MS-386; daí, segue pelo referido córrego, a jusante, até a confluência com o Rio Joguí no ponto P-06, de coordenadas geográficas aproximadas 23°36’42,5 S e 54°42’42,3 WGr.; daí, segue pela margem esquerda do referido rio, a montante até a confluência do Córrego Ipané no ponto P-07, de coordenadas geográficas aproximadas 23°35’01,4 S e 54°44’44,2 WGr.; daí, segue pela margem esquerda do referido córrego, a montante, até o ponto P-08, de coordenadas geográficas aproximadas 23°34’01,2 S e 54°44’28,8 WGr., localizado em uma ponte da rodovia MS-386; daí, segue pelo referido córrego pela margem esquerda, a montante, até o ponto P-09, de coordenadas geográficas aproximadas 23°24’44,3 S e 54°45’22,1 WGr., localizado na margem do referido córrego; daí, segue por linha reta até o ponto P-10, de coordenadas geográficas aproximadas 23°24’22,3 S e 54°46’17,2 WGr., localizado em uma estrada vicinal; daí, segue por linha reta até o ponto P-11, de coordenadas geográficas aproximadas 23°23’45,1 S e 54°46’52,8 WGr., localizado em uma cerca de divisa; daí, segue por linha reta até o ponto P-12, de coordenadas geográficas aproximadas 23°23’14,7 S e 54°47’29,5 WGr., localizado em uma estrada vicinal; daí, segue por linha reta até o ponto P-13, de coordenadas geográficas aproximadas 23°22’39,6 S e 54°48’31,0 WGr., localizado na confluência de um córrego sem denominação com o Córrego Régis Cuê; daí, segue pelo referido córrego , a montante, até a sua cabeceira, ponto P-14, de coordenadas geográficas aproximadas 23°21’12,8 S e 54°48’05,1 WGr.; daí, segue por um caminho entre a mata, sentido geral norte, até o ponto P-15, de coordenadas geográficas aproximadas 23°20’47,0 S e 54°47’58,2 WGr., localizado em uma estrada vicinal; daí, segue por um caminho margeando uma mata, sentido geral norte, até o ponto P-16, de coordenadas geográficas aproximadas 23°20’27,9 S e 54°47’54,6 WGr., localizado em uma cerca; daí, segue em linha reta até o ponto P-17, de coordenadas geográficas aproximadas 23°20’20,5 S e 54°48’11,7 WGr., localizado em uma estrada vicinal; daí, segue por linha reta até o ponto P-18, de coordenadas geográficas aproximadas 23°19’57,2 S e 54°47’58,5 WGr., localizado em um cruzamento de estradas; daí, segue por linha reta até o ponto P-19, de coordenadas geográficas aproximadas 23°19’26,4 S e 54°48’40,7 WGr., localizado em uma estrada vicinal; daí, segue por linha reta até o ponto P-20, de coordenadas geográficas aproximadas 23°19’04,9 S e 54°48’31,0 WGr., localizado na margem do córrego Marcelina; daí, segue pelo referido córrego, a montante, até o ponto P-21, de coordenadas geográficas aproximadas 23°19’05,2 S e 54°48’29,0 WGr., localizado na margem do córrego Marcelina; daí, segue por linha reta até o ponto P-22, de coordenadas geográficas aproximadas 23°18’15,7 S e 54°48’11,5 WGr., localizado em uma estrada vicinal; daí, segue pela referida estrada, sentido geral sudeste, até o ponto P-23, de coordenadas geográficas aproximadas 23°18’23,7 S e 54°47’58,6 WGr., localizado no cruzamento com uma estrada vicinal secundária; daí, segue pela vicinal secundária, sentido geral sudeste, até o ponto P-24, de coordenadas geográficas aproximadas 23°18’28,6 S e 54°47’42,9 WGr., localizado na estrada vicinal; daí, segue por linha reta até o ponto P-25, de coordenadas geográficas aproximadas 23°18’27,2 S e 54°47’42,0 WGr., localizado na cabeceira de um córrego sem denominação; daí, segue pelo referido córrego, a jusante, até o ponto P-01, início da descrição deste perímetro. OBS.: 1- Base cartográfica utilizada na elaboração deste memorial descritivo: MI-2751, MI-2777 Escala 1:100.000 – DSG – 1972/1972. 2- Todas as coordenadas aqui descritas estão georreferenciadas ao Datum WGS84. Responsável Técnico pela Identificação dos Limites: Marcelo Antonio Elihimas Engenheiro Agrônomo CREA nº. 16.154/D – PE.