Por André Borges | De Brasília
O avanço de obras de
transporte e de energia nas regiões Norte e Centro-Oeste do país transformou o
chamado "componente indígena" em peça chave do processo de
licenciamento ambiental. Essa influência progressiva, que tem determinado a
viabilidade, o custo e, principalmente, o prazo de grandes projetos de
logística e de expansão hidrelétrica do país, foi captada por um levantamento
inédito encomendado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). O
estudo, ao qual o Valor teve acesso, reuniu dados sobre terras
indígenas disponibilizados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e confrontou
essas informações com um grande conjunto de obras de transporte e de geração de
energia que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2).
O cruzamento dos dados
revela que, de um total de 82 obras de transporte previstas para estradas e
hidrovias entre 2011 e 2014, ao menos 43 afetam uma ou mais terra indígena,
direta ou indiretamente, seja seu território ou sua população. Em termos
práticos, isso significa que o Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (Dnit), órgão responsável pelas obras federais, tem que elaborar um
plano básico ambiental (PBA) sobre o componente indígena para cada
empreendimento que pretenda licitar. No Amazonas está concentrado o maior
número de projetos com interferência indígena. De 37 obras previstas para o
Estado - a maior parte em hidrovias - 24 cruzam comunidades de índios. No Pará,
a lista de dez empreendimentos tem sete obras nessa mesma situação. No Mato
Grosso, três projetos de rodovias - de um total de nove obras planejadas -
passam pelo caminho das aldeias.
Procurado pelo Valor, o
Dnit informou que, atualmente, tem sete PBAs indígenas em execução. Outros nove
estudos, de acordo com um balanço da autarquia realizado até maio, estariam no
cronograma. A Funai não respondeu ao pedido de entrevista.
Segundo o consultor Ricardo
Verdum, responsável pelo levantamento do Inesc, a pavimentação da BR-319, que
liga a cidades de Manaus (AM) e Porto Velho (RO) está entre as obras mais
problemáticas. "Além de afetar áreas habitadas por povos indígenas, essa
obra vai conectar o chamado arco do desmatamento com a Amazônia Central, a área
de floresta contínua mais preservada na Amazônia brasileira", diz.
A relação com os índios
também tende a ficar mais complicada conforme empreendimentos hidrelétricos
avancem pela Amazônia. Os dados do Plano Decenal de Energia, estudo da Empresa
de Pesquisa Energética (EPE) que apresenta um cronograma do setor para os
próximos dez anos, apontam que a expansão da oferta de energia elétrica vai se
apoiar na construção de 34 usinas até 2021. Dessas, pelo menos oito teriam
algum tipo de impacto em comunidade indígena, segundo informações detalhadas no
relatório do Inesc. Apesar do número menor de usinas em relação ao total de
empreendimentos, o fato é que essas oito usinas, quando somadas, representam
74% de toda a produção de energia que sairá das turbinas dos 34
empreendimentos. Dos 42.040 megawatts (MW) de potência adicional de energia
hidrelétrica prevista para os próximos dez anos, 31.282 MW terão que passar,
necessariamente, pelo filtro do componente indígena.
As primeiras experiências já
começaram. Das 15 hidrelétricas que já estão em fase de implantação e que têm previsão
de entrar em operação até 2016, duas já não são alvo de polêmicas indígenas:
Jirau e Santo Antônio, erguidas no rio Madeira, em Porto Velho (RO). A situação
não é a mesma, porém, no dia a dia enfrentado pelos empreendedores de Belo
Monte, em construção no rio Xingu, no Pará, e de Teles Pires, em andamento nas
margens do rio de mesmo nome, entre o Mato Grosso e o Pará. Depois de um ano de
início de suas obras, essas duas usinas ainda são alvos constantes de
desentendimentos sobre ações compensatórias e impactos a comunidades.
O cenário tende a ficar
ainda mais complexo quando observada a segunda fase de projetos, que envolve a
operação de 19 hidrelétricas entre os anos de 2017 e 2021. Quatro desses
empreendimentos - as usinas de São Manoel, São Luiz do Tapajós, Jatobá e Marabá
- estão em áreas que, segundo o relatório, impactam comunidades indígenas.
Hoje, por lei, é proibido
erguer barragens em casos onde haja supressão direta de território indígena.
Quando uma aldeia está numa área de influência indireta, entram em cena as
ações compensatórias para mitigar os danos. Por conta de dificuldades com o
licenciamento ambiental, a EPE retirou, pela segunda vez, o projeto de São
Manoel do leilão para contratação de energia marcado para 14 de dezembro. As
regras do setor de energia exigem que só empreendimentos que tenham licença
ambiental prévia concedida pelo Ibama podem ser objeto de leilões de concessão.
Nesta semana, foi a vez de o
Ministério Público Federal (MPF) pedir à Justiça Federal de Santarém que
suspenda o licenciamento da usina de São Luiz do Tapajós. O licenciamento,
segundo o MPF, é irregular porque foi iniciado sem a consulta prévia aos povos indígenas
e ribeirinhos afetados pela obra e sem as avaliações ambientais obrigatórias.
Poucos quilômetros acima de São Luiz, está prevista a construção da barragem de
Jatobá.
O governo mantém uma agenda
de discussão interministerial para elaborar novas regras sobre o licenciamento
de empreendimentos de infraestrutura afetados pelo componente indígena. Não há,
porém, uma previsão sobre quando o assunto será objeto de debate público.
do site do INESC