Eis o relatório.
No ano de 2012, o Brasil assistiu a Reforma Agrária alcançar os seus piores indicadores em décadas. Enquanto do outro lado, o Agronegócio se consolidou como o modelo preferencial do Governo Dilma para o campo, priorizado por diversas políticas públicas, inclusive com financiamentos oficiais de elevadas proporções.
O ano de 2012 tornou óbvio que a grave situação resultou desta escolha injustificável por parte do Governo: a de relegar a Reforma Agrária para a periferia das políticas públicas e do orçamento, atendendo exclusivamente ao latifúndio especulativo e exportador.
Os próprios dados oficiais denunciam esse quadro inaceitável: o número de famílias assentadas em 2012 atingiu a taxa mais baixa registrada desde 1994 e representou apenas 36% da meta prevista pelo Governo em 2012, que era de 30 mil famílias. É fundamental destacar que essa meta fixada – e que ficou longe de ser cumprida pelo Governo – já significava um objetivo irrisório diante das reais necessidades de democratização de terras no País.
Outro grave indicador desta falta de prioridade é o fato de que mais de 200 mil famílias de trabalhadores e trabalhadoras sem terra aguardam a conclusão dos processos de desapropriações relativos às grandes propriedades já vistoriadas e identificadas como improdutivas. Se continuar no mesmo ritmo de 2012, o Brasil precisará de mais 50 anos só para assentar a demanda atual de famílias sem terra acampadas.
Outra decepção foi com relação às áreas de assentamentos já existentes, declaradas como prioridade pelo Governo Dilma. Faltou política de Estado (crédito, habitação, infraestrutura, parcelamento, etc). De fato, para a maioria dos assentamentos não foram liberados recursos para os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDAs) – ferramenta principal para obtenção de créditos de investimentos e produção – além de terem sido assinados poucos convênios de ATES.
Neste cenário, as famílias são jogadas para as garras do grande capital. Na completa ausência de incentivo à agricultura camponesa, são muitos os agricultores e agricultoras que se vêm pressionados e submetidos às investidas do agronegócio, em especial nas regiões de monocultivo da cana-de-açúcar, soja e eucalipto. Nestas áreas, o agronegócio se aproveita das carências para oferecer a continuação da exploração e da dependência, através da oferta de trabalho nem sempre regular e de investimentos privados nas áreas da Reforma Agrária para ampliar o monocultivo.
A ineficiência e a inoperância dos órgãos executores da Reforma Agrária, em especial o Incra, se agrava ainda mais pelo fato de que foram praticamente sucateados em 2012. Não houve orçamento até para ajuizar processos de desapropriação, nem sequer para combustível ou diárias necessárias para os seus técnicos realizarem novas vistorias ou para atender aos assentamentos.
O abandono também das Populações Tradicionais
A falta de prioridade atingiu igualmente os sem-terras e os que reivindicam a regularização das terras a que têm direito, a saber, as comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas, posseiras, fundo de pasto, pescadores tradicionais, bem como os agricultores e agricultoras que sofrem os efeitos de uma seca de dimensões insuportáveis.
2012 foi o ano em que os povos tradicionais gritaram ao país e ao mundo a situação de violência que teima em persistir em seus territórios. O Povo Xavante da aldeia Marãiwtsédé; os povos Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul; Quilombo dos Macacos, na Bahia; Quilombo Pontes em Pirapemas, no Maranhão, entre tantos outros, foram alguns dos exemplos emblemáticos da ausência de uma postura firme do Governo Federal diante do extermínio dos povos tradicionais.
Os processos de regularização dos territórios das comunidades permanecem engavetados. No Brasil, existem mais de 3.000 comunidades quilombolas e mais de mil processos abertos no Incra. Apesar disso, em 2012 foram publicadas apenas quatro Portarias de Reconhecimento pelo Incra e sete Relatórios de Identificação de Territórios Quilombolas (RTID). O mesmo acontece com as reivindicações para a criação de Reservas Extrativistas no país. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), no momento, oito novas Reservas Extrativistas aguardam decreto presidencial para a sua criação (três no Pará, três no Maranhão, uma em Pernambuco e uma em Santa Catarina). A sua maioria espera há anos uma definição do Estado Brasileiro.
O Latifúndio: Prioridade Oficial em 2012
A pauta da Reforma Agrária do Governo caminhou em um ritmo inversamente proporcional à velocidade e intensidade do agronegócio. A permissividade irrestrita concedida à bancada ruralista dominou internamente o Governo e fez paralisar não só o Incra, mas tudo aquilo que pudesse interferir em seus interesses.
Lamentavelmente, a opção do Governo pelo agronegócio está consolidada e é clara: é demonstrada tanto através do discurso político da maioria dos ministérios como pela forte liberação de recursos para as grandes empresas do setor. O agronegócio se instala onde deseja e o Estado brasileiro oferece todas as condições para isso, mesmo em áreas destinadas para a conservação da biodiversidade, terras indígenas ou de populações tradicionais diversas, ainda que o discurso oficial algumas vezes afirme o contrário.
No Nordeste, a novidade de 2012 é que o setor sulcroalcooleiro entrou em uma nova etapa de reestruturação e adaptação aos novos processos econômicos nacionais e internacionais. O monocultivo da cana, hegemônico na região da zona da Mata por mais de quinhentos anos, começa agora a dividir espaço com os investimentos industriais e grandes empreendimentos que chegam na região. O momento, portanto, é cada vez mais adequado para uma reconfiguração do território na zona da mata. Entretanto, os governos se omitem diante do esgotamento do latifúndio canavieiro em Pernambuco e no Nordeste, afundados em dívidas colossais e em falências.
Em consequência, tal reconfiguração não se inicia e nem se promove qualquer alteração na concentração fundiária na zona da Mata Nordestina. Ao contrário, a exemplo da zona da mata pernambucana, acirram-se os conflitos entre os novos ou antigos proprietários das Usinas e as famílias posseiras, que vivem há mais de décadas em seus sítios, mas que enfrentam as frequentes tentativas de expulsões.
Grandes empreendimentos e a violência aos povos do campo
De acordo com os dados parciais da Comissão Pastoral da Terra, o Nordeste em 2012, seguiu sendo a região com maior número de conflitos por terra no país. No ano que se encerrou, o NE concentrou 43% dos registros de conflitos por terra, seguido da região Norte, com 27%. A região nordestina também concentrou quase 50% dos casos de violência contra a ocupação e posse. Os estados do Maranhão e Rondônia foram os que assumiram a triste marca de serem os mais violentos no campo em todo o país, seguidos da Bahia e do Mato Grosso do sul.
Junto ao agronegócio, os grandes projetos de desenvolvimento têm sido um dos principais protagonistas dos conflitos agrários nos últimos anos na região. Em 2012 este cenário não só permaneceu, como avançou de forma ainda mais violenta e intensa.
Os Governos Federal e Estaduais continuam com a obsessão pela implantação de grandes empreendimentos, sem qualquer salvaguarda social e ambiental, o que tem levado as populações tradicionais e camponeses a retomar os seus originais métodos de protesto e de resistência.
São exemplos claros dessa continuidade ou da geração de novos conflitos: o Projeto de Irrigação da Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte; a Transposição do Rio São Francisco, a Transnordestina e o Porto de Suape, em Pernambuco; os grandes projetos de mineração em áreas de assentamento, na Paraíba; o monocultivo da cana na zona da mata de PE e de Alagoas.
Não se pode deixar de destacar que uma das novidades de 2012, e que aponta um cenário de lutas e desafios para 2013, é o debate sobre o Novo Código da Mineração. Apesar de pouco se comentar na mídia, o lobby para um Novo Código Mineral está a todo vapor no Ministério das Minas e Energia e no Congresso Nacional.
O Projeto do Novo Código tem sido redigido à surdina, sem o debate e sem a participação das populações diretamente atingidas. Ou seja, estamos diante de novas e grandes ameaças para as populações tradicionais, para os sem terras, para a reforma agrária, para o meio-ambiente e para o desenvolvimento sustentável.
Estiagem – insuficiência de políticas públicas
Também as agricultoras e agricultores nordestinos atingidos pela grande seca foram vítimas da insensibilidade dos Governos e da sua prioridade aos grandes empreendimentos e ao latifúndio. De fato, o prolongamento do processo de estiagem, o pior dos últimos 50 anos, causou perdas significativas nos assentamentos e a descapitalização dos agricultores e agricultoras.
Os programas destinados aos atingidos pela estiagem, como Pronaf estiagem, bolsa estiagem e grãos para ração animal anunciado pelo governo, têm grande dificuldade para serem acessados. Burocracia, lentidão e falta de transparência foram as marcas principais desses programas.
As culturas mais atingidas foram as do feijão, milho e mandioca. Quem cria gado teve que se desfazer do rebanho porque não havia perspectivas de chuva e os animais estão sem ter o que comer. Os Governos Federal e Estaduais foram convocados a tempo de evitar a mortalidade em massa, mas se omitiram e fracassaram em desenvolver ações para alimentar os animais, com milho ou com os resíduos abundantes da cana.
Os bichos que sobreviveram foram vendidos por preço vil ou mesmo doados para serem salvos da morte, ampliando ainda mais as desigualdades no campo. Um dos principais desafios para os próximos anos será a recomposição do rebanho dizimado que é fonte de renda e alimentação das famílias sertanejas.
Atualmente, 1.300 municípios do Nordeste e do norte de Minas Gerais estão em situação de emergência reconhecida pela Secretaria Nacional de Defesa Civil. Mesmo sendo considerada a pior seca nos últimos 50 anos, estima-se que a migração para outras regiões foi menor do que em épocas anteriores. Para além dos programas de mitigação dos efeitos da seca, a permanência na terra é atribuída as experiências populares de convivência com o semi-árido. Estas experiências vem se espalhando por todos os estados nordestinos de outras regiões do país e se apresentam como a principal estratégia utilizada pelos agricultores e agricultoras para atravessar a seca com menos dificuldade.
Perspectivas para 2013
Frente à conjuntura de abandono total da Reforma Agrária, os movimentos sociais de luta pela terra seguiram o exemplo dos povos do campo que há meio século se uniram para realizar I Congresso Camponês do Brasil. Com esse espírito, em agosto de 2012, foi realizado o Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas, que reuniu cerca de 7 mil pessoas em Brasília. A perspectiva que se apresenta para 2013 é de que os povos do campo coloquem em marcha as lutas unificadas e assumam para si a responsabilidade da Reforma Agrária e da defesa dos territórios das comunidades tradicionais ameaçadas pelo capital.
Vivemos em um tempo em que é necessário optar por um novo modo de pensar e de viver. O Estado já tomou sua posição diante do contexto agrário brasileiro, a sociedade precisará reafirmar a sua. O que está em jogo é a vida, a cultura e os territórios das populações camponesas no Brasil. Faz-se urgente uma nova reflexão sobre a vida e a natureza. O Capital se apropria e mercantiliza todos os bens naturais e marginaliza comunidades inteiras. Neste cenário, ou optamos pela mera função econômica da terra ou optamos pela função social da terra; ou optamos pela economia verde ou pelo bem viver dos povos da terra; ou é a governança global ou a diversidade das culturas, dos alimentos e dos modos de vida.
Da ADITAL
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