quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

VI Fórum Social Pan-Amazônico: Pela unidade dos povos da Pan-Amazônia para mudar o mundo

Mel Mendes

"Somos o povo de todos os povos. Somos os homens da selva e as mulheres da chuva, somos a Pan-Amazônia, o coração do planeta".

Entre os dias 28 de novembro e 01 de dezembro, cerca de 1500 pessoas, de diversos países, povos e etnias estiveram reunidos em Cobija, Departamento de Pando, na Bolívia para discutir e construir juntos as estratégias de luta e resistência, bem como apresentar alternativas ao modelo de desenvolvimento vigente na Pan-Amazônia, buscando um mundo melhor e um desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente sustentável. 
Marcha de abertura do VI Fórum Pan-Amazônico
Foto: Mel Mendes

No primeiro dia do Fórum, uma grande, alegre e colorida marcha percorreu as ruas de Cobija, saindo da Ponte da Amizade, e levando para a população local as bandeiras de luta dos mais variados movimentos. A marcha terminou na praça principal da cidade, onde os participantes formaram uma grande roda para trocas de experiências culturais. Até o cair da noite os marchantes dançaram, cantaram, se expressaram das mais diversas formas, dando início de forma comemorativa ao Fórum de Cobija.


Ao fim da marcha, os marchantes formaram
uma grande roda na praça. Foto: Mel Mendes
Os dias que se seguiram foram de intensas discussões e trocas de experiência, pautados nos eixos temáticos, com mesas de diálogo, debates, oficinas, exibições de vídeos e elaboração de propostas. Na assembleia final, no dia 01 de dezembro, foram apresentados os documentos (cartas, declarações, manifestos) construídos a partir dos debates dos dias anteriores e, após acúmulo de discussões foi elaborado o documento final do Fórum, a Carta de Cobija. A Assembleia Final teve um tom festivo, com muita dança e música, sintetizando o que foram esses dias de fórum Pan-Amazônico.
Agora, seguimos adiante mais fortalecidos, buscando sempre a unidade dos povos para avançarmos nas lutas em defesa da Amazônia e de um modo de vida menos predatório.
Abaixo, o documento final do VI Fórum Social Pan-Amazônico:

CARTA DE COBIJA

Somos o povo de todos os povos. Somos os homens da selva e as mulheres da chuva, somos a Pan-Amazônia, o coração do planeta.
Em nossas terras e rios se desenvolvem uma batalha decisiva para os destinos da Humanidade. De um lado, as corporações transnacionais, o agronegócio e as grandes empresas de mineração que promovem a destruição de nossas florestas e nossas águas em nome de um progresso que beneficia tão somente os donos do capital. De outro, estamos nós, indígenas, camponeses e camponesas, quilombolas, trabalhadores e trabalhadoras dos campos, da mata e das cidades, lutando por nossos territórios, pelos direitos da Mãe-Terra, por nossas culturas, por nossos direitos de viver bem, em harmonia com a natureza.
O preço da destruição sistemática da natureza é uma crise ambiental sem precedentes, cujos primeiros sinais estão no derretimento das geleiras dos Andes, a diminuição dos níveis e contaminação dos rios, riachos e igarapés, as secas e enchentes na Amazônia causadas pela mineração descontrolada, pela exploração petroleira na selva e pelo agronegócio. Tal situação é agravada pelos mega-projetos, como a construção de hidrelétricas de grande envergadura nos rios amazônicos, a privatização das florestas e grandes obras de infraestrutura que são desenvolvidas sem consulta aos povos que há séculos vivem nestas regiões.
Reafirmamos mais uma vez que para deter este ciclo de morte é necessário defender nossos territórios, exigindo o imediato reconhecimento e homologação das terras indígenas, titulação coletiva das terras quilombolas e comunidades tradicionais, bem como o pleno direito de consulta livre, bem informada e consentimento prévio para projetos com impacto social e ambiental. Defendemos consultas realmente democráticas e com efeito vinculante para evitar fraudes e falsas consultas, como ocorridas no passado recente com os indígenas brasileiros, durante a construção das hidrelétricas de Santo Antonio, Jirau e Belo Monte.
A Mãe-Terra não é um produto, não pode ser vendida nem mercantilizada. Por isso rechaçamos o capitalismo verde que só agrava a crise social e ambiental, seguindo a mesma lógica de busca desenfreada pelo crescimento econômico, concentração da riqueza e do poder, bem como apropriação dos bens comuns. A chamada economia verde quer fazer da crise climática um grande negócio, deixando intocado o modo de produção, que associado ao patriarcado e ao racismo, esta levando o planeta e sua população ao esgotamento e a degradação. Somos contra o pagamento por serviços ambientais, a mercantilização e financeirização da natureza, também denunciamos a flexibilização das leis ambientais com objetivo de favorecer as grandes empresas.
Defendemos e construímos a aliança entre os povos da floresta, dos campos e das cidades. Fazem parte do nosso patrimônio comum a luta dos camponeses e camponesas pela terra, os direitos dos pequenos agricultores e das pequenas agricultoras, assistência técnica, crédito barato e simplificado, e as justas demandas por saúde, educação, transporte e moradia digna para todos.
Lutamos por uma sociedade sem exclusão, com liberdade, justiça e soberania popular. Combatemos no dia a dia todas as formas de exploração e discriminação baseadas em gênero, etnia, identidade sexual e classe social. Particularmente, nos esforçaremos para superar a invisibilidade da população afrodescendente em suas lutas e propostas sobre poder, autonomia e território.
Ao mesmo tempo que avança a ofensiva do grande capital sobre a Amazônia, também se multiplicam os esforços da resistência dos povos. A nível mundial, a Cúpula dos Povos, realizada no Rio de Janeiro, em junho/julho de 2012, representou um extraordinário avanço na unidade de todos que sonham e lutam por um outro mundo. No território Amazônico surgiram as alianças dos rios, unindo diversos povos na luta contra as hidrelétricas, também tomaram impulso os movimentos contra a exploração mineral em terras indígenas e contra a construção de obras de infraestrutura sem o necessário consentimento prévio. Nos Andes ganha impulso o combate contra os danos provocados pela mineração a céu aberto.
Faz parte da nossa luta contra o modelo colonial de exploração, exigir medidas que protejam as comunidades tradicionais da biopirataria, preservem valorizem e desenvolvam seus saberes e conhecimentos ancestrais. Da mesma maneira, lutamos pela construção de cidades justas, democráticas e sustentáveis, adequadas às diferentes realidades de cada região, contemplando a diversidade dos atores sociais que vivem nessas cidades. Pelos mesmos motivos também defendemos a soberania alimentar, a economia familiar, o extrativismo comunitário e a agroecologia. Destacamos a importância estratégica da luta pela democratização dos meios de comunicação, inseparável da prática da liberdade de expressão, que é vital para estabelecermos os diálogos entre os distintos povos da Amazônia e do mundo.
Neste sentido, afirmamos nosso apoio a Carta da Terra e a Declaração de Cochabamba. Suas palavras continuarão guiando nossos passos.
Na Pan-Amazônia, como em toda a América Latina, enfrentamos o militarismo que atua como mediador entre o colonialismo e o imperialismo. Condenamos as tentativas de criminalização dos movimentos sociais, da pobreza e dos povos indígenas. Repudiamos o colonialismo francês na Guiana e apoiamos os esforços dos seus povos para alcançarem a independência. Saudamos o começo das negociações de paz na Colômbia e esperamos que seus resultados sejam uma paz com igualdade e justiça social. Da mesma maneira, protestamos contra as barragens que tentam impedir a livre circulação entre os povos de nossos países, defendemos os direitos dos migrantes e de todos aqueles que buscam outras terras para tentar uma vida livre e digna. Queremos um mundo sem fronteiras. Um mundo onde o estado garanta a proteção dos patrimônios sociais e naturais. Um mundo onde caibam todos os mundos.
Neste VI Fórum Social Pan-Amazônico queremos especialmente saudar a resistência Palestina – nossos irmão e irmãs do deserto – e dizer que seguiremos com nosso apoio a sua luta por uma pátria livre e independente. Também homenageamos nossos irmão e irmãs mártires que derramaram seu sangue nos massacres de Bagua e Pando, e a todos os indígenas atingidos pela violência dos exploradores.
Aqui em Cobija, terra amazônica da Bolívia, tríplice fronteira entre Peru, Brasil e Bolívia, sob a proteção da seringa e da castanha, símbolos da Amazônia boliviana, lançamos nosso chamado: pela unidade dos povos amazônicos para transformar o mundo.

Cobija, 01 de dezembro de 2012
VI Fórum Social Pan-Amazônico

Vídeo da Marcha de Abertura do Fórum de Cobija:






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