Mel Mendes
"Somos o povo de todos os povos. Somos os homens da selva e as mulheres
da chuva, somos a Pan-Amazônia, o coração do planeta".
Entre os dias 28 de novembro e 01 de dezembro, cerca de 1500 pessoas, de diversos países, povos e etnias estiveram reunidos em Cobija, Departamento de Pando, na Bolívia para discutir e construir juntos as estratégias de luta e resistência, bem como apresentar alternativas ao modelo de desenvolvimento vigente na Pan-Amazônia, buscando um mundo melhor e um desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente sustentável.
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Marcha de abertura do VI Fórum Pan-Amazônico Foto: Mel Mendes |
No primeiro dia do Fórum, uma grande, alegre e colorida marcha percorreu as ruas de Cobija, saindo da Ponte da Amizade, e levando para a população local as bandeiras de luta dos mais variados movimentos. A marcha terminou na praça principal da cidade, onde os participantes formaram uma grande roda para trocas de experiências culturais. Até o cair da noite os marchantes dançaram, cantaram, se expressaram das mais diversas formas, dando início de forma comemorativa ao Fórum de Cobija.
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Ao fim da marcha, os marchantes formaram uma grande roda na praça. Foto: Mel Mendes |
Os dias que se seguiram foram de intensas discussões e trocas de experiência, pautados nos eixos temáticos, com mesas de diálogo, debates, oficinas, exibições de vídeos e elaboração de propostas. Na assembleia final, no dia 01 de dezembro, foram apresentados os documentos (cartas, declarações, manifestos) construídos a partir dos debates dos dias anteriores e, após acúmulo de discussões foi elaborado o documento final do Fórum, a Carta de Cobija. A Assembleia Final teve um tom festivo, com muita dança e música, sintetizando o que foram esses dias de fórum Pan-Amazônico.
Agora, seguimos adiante mais fortalecidos, buscando sempre a unidade dos povos para avançarmos nas lutas em defesa da Amazônia e de um modo de vida menos predatório.
Abaixo, o documento final do VI Fórum Social Pan-Amazônico:
CARTA DE COBIJA
Somos o povo de todos os povos. Somos os homens da selva e as mulheres da chuva, somos a Pan-Amazônia, o coração do planeta.
Em nossas terras e rios se desenvolvem uma batalha decisiva para os destinos da Humanidade. De um lado, as corporações transnacionais, o agronegócio e as grandes empresas de mineração que promovem a destruição de nossas florestas e nossas águas em nome de um progresso que beneficia tão somente os donos do capital. De outro, estamos nós, indígenas, camponeses e camponesas, quilombolas, trabalhadores e trabalhadoras dos campos, da mata e das cidades, lutando por nossos territórios, pelos direitos da Mãe-Terra, por nossas culturas, por nossos direitos de viver bem, em harmonia com a natureza.
O preço da destruição sistemática da natureza é uma crise ambiental sem precedentes, cujos primeiros sinais estão no derretimento das geleiras dos Andes, a diminuição dos níveis e contaminação dos rios, riachos e igarapés, as secas e enchentes na Amazônia causadas pela mineração descontrolada, pela exploração petroleira na selva e pelo agronegócio. Tal situação é agravada pelos mega-projetos, como a construção de hidrelétricas de grande envergadura nos rios amazônicos, a privatização das florestas e grandes obras de infraestrutura que são desenvolvidas sem consulta aos povos que há séculos vivem nestas regiões.
Reafirmamos mais uma vez que para deter este ciclo de morte é necessário defender nossos territórios, exigindo o imediato reconhecimento e homologação das terras indígenas, titulação coletiva das terras quilombolas e comunidades tradicionais, bem como o pleno direito de consulta livre, bem informada e consentimento prévio para projetos com impacto social e ambiental. Defendemos consultas realmente democráticas e com efeito vinculante para evitar fraudes e falsas consultas, como ocorridas no passado recente com os indígenas brasileiros, durante a construção das hidrelétricas de Santo Antonio, Jirau e Belo Monte.
A Mãe-Terra não é um produto, não pode ser vendida nem mercantilizada. Por isso rechaçamos o capitalismo verde que só agrava a crise social e ambiental, seguindo a mesma lógica de busca desenfreada pelo crescimento econômico, concentração da riqueza e do poder, bem como apropriação dos bens comuns. A chamada economia verde quer fazer da crise climática um grande negócio, deixando intocado o modo de produção, que associado ao patriarcado e ao racismo, esta levando o planeta e sua população ao esgotamento e a degradação. Somos contra o pagamento por serviços ambientais, a mercantilização e financeirização da natureza, também denunciamos a flexibilização das leis ambientais com objetivo de favorecer as grandes empresas.
Defendemos e construímos a aliança entre os povos da floresta, dos campos e das cidades. Fazem parte do nosso patrimônio comum a luta dos camponeses e camponesas pela terra, os direitos dos pequenos agricultores e das pequenas agricultoras, assistência técnica, crédito barato e simplificado, e as justas demandas por saúde, educação, transporte e moradia digna para todos.
Lutamos por uma sociedade sem exclusão, com liberdade, justiça e soberania popular. Combatemos no dia a dia todas as formas de exploração e discriminação baseadas em gênero, etnia, identidade sexual e classe social. Particularmente, nos esforçaremos para superar a invisibilidade da população afrodescendente em suas lutas e propostas sobre poder, autonomia e território.
Ao mesmo tempo que avança a ofensiva do grande capital sobre a Amazônia, também se multiplicam os esforços da resistência dos povos. A nível mundial, a Cúpula dos Povos, realizada no Rio de Janeiro, em junho/julho de 2012, representou um extraordinário avanço na unidade de todos que sonham e lutam por um outro mundo. No território Amazônico surgiram as alianças dos rios, unindo diversos povos na luta contra as hidrelétricas, também tomaram impulso os movimentos contra a exploração mineral em terras indígenas e contra a construção de obras de infraestrutura sem o necessário consentimento prévio. Nos Andes ganha impulso o combate contra os danos provocados pela mineração a céu aberto.
Faz parte da nossa luta contra o modelo colonial de exploração, exigir medidas que protejam as comunidades tradicionais da biopirataria, preservem valorizem e desenvolvam seus saberes e conhecimentos ancestrais. Da mesma maneira, lutamos pela construção de cidades justas, democráticas e sustentáveis, adequadas às diferentes realidades de cada região, contemplando a diversidade dos atores sociais que vivem nessas cidades. Pelos mesmos motivos também defendemos a soberania alimentar, a economia familiar, o extrativismo comunitário e a agroecologia. Destacamos a importância estratégica da luta pela democratização dos meios de comunicação, inseparável da prática da liberdade de expressão, que é vital para estabelecermos os diálogos entre os distintos povos da Amazônia e do mundo.
Neste sentido, afirmamos nosso apoio a Carta da Terra e a Declaração de Cochabamba. Suas palavras continuarão guiando nossos passos.
Na Pan-Amazônia, como em toda a América Latina, enfrentamos o militarismo que atua como mediador entre o colonialismo e o imperialismo. Condenamos as tentativas de criminalização dos movimentos sociais, da pobreza e dos povos indígenas. Repudiamos o colonialismo francês na Guiana e apoiamos os esforços dos seus povos para alcançarem a independência. Saudamos o começo das negociações de paz na Colômbia e esperamos que seus resultados sejam uma paz com igualdade e justiça social. Da mesma maneira, protestamos contra as barragens que tentam impedir a livre circulação entre os povos de nossos países, defendemos os direitos dos migrantes e de todos aqueles que buscam outras terras para tentar uma vida livre e digna. Queremos um mundo sem fronteiras. Um mundo onde o estado garanta a proteção dos patrimônios sociais e naturais. Um mundo onde caibam todos os mundos.
Neste VI Fórum Social Pan-Amazônico queremos especialmente saudar a resistência Palestina – nossos irmão e irmãs do deserto – e dizer que seguiremos com nosso apoio a sua luta por uma pátria livre e independente. Também homenageamos nossos irmão e irmãs mártires que derramaram seu sangue nos massacres de Bagua e Pando, e a todos os indígenas atingidos pela violência dos exploradores.
Aqui em Cobija, terra amazônica da Bolívia, tríplice fronteira entre Peru, Brasil e Bolívia, sob a proteção da seringa e da castanha, símbolos da Amazônia boliviana, lançamos nosso chamado: pela unidade dos povos amazônicos para transformar o mundo.
Cobija, 01 de dezembro de 2012
VI Fórum Social Pan-Amazônico
Vídeo da Marcha de Abertura do Fórum de Cobija:
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