Artigo da advogada Janete Gonçalves fala sobre o desmatamento praticado pela empresa Buriti
Fonte: O Impacto
Até bem pouco tempo atrás era aprazível pegar a estrada rumo a Alter-do-Chão e apreciar a vegetação que ladeava todo o caminho. É bem verdade que esta beleza cênica continuaria a encher nossos olhos se não fosse a ação irresponsável de uma empresa que se instalou em nossa Santarém sob o embuste de “construir sonhos”, e o que é pior, o Poder Executivo Municipal endossou sua entrada, facilitando a perpetração de um dos maiores crimes ambientais cometido em nosso município: o desmate de mais de 150 hectares de vegetação nativa, às proximidades do Lago do Juá e Rio Tapajós, cuja visão é apocalíptica.
Dra. Janete Gonçalves |
A supressão de floresta nativa foi tamanha que não passou despercebida nas imagens registradas pelos satélites de fiscalização ambiental presentes na região. Parece que só a estrábica Secretaria Municipal do Meio Ambiente não viu o desastre ecológico que aí está. É evidente, e, inclusive, uma determinação constitucional que a instalação de uma obra dessa dimensão, potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente requer do Poder Público Municipal, in casu, a exigência do estudo prévio de impacto ambiental, ao qual se dará ampla publicidade (CF, art. 225, §1º, inciso IV), o que infelizmente não foi feito.
Ao que tudo indica mais uma vez o Poder Público foi omisso à questão ambiental, já que seus agentes públicos ao licenciar a obra deixaram de exigir o estudo prévio de impacto ambiental e o respectivo relatório de impacto ambiental – EIA/RIMA – necessário quando se trata de projetos urbanísticos, acima de 100 ha ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental (art. 2º, inciso XV da Resolução/Conama nº 001/86).
A avaliação de impacto ambiental, que inclui procedimentos desde estudos de impacto até a audiência pública, é um dos canais de participação dos cidadãos e das organizações da sociedade civil em defesa do meio ambiente, sendo um importante instrumento preventivo da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) indispensável ao processo de negociação ambiental fundada no princípio da informação e da participação democrática.
No que pese ser um instrumento público que começou a ser legislado em 1981, sendo considerado pelos juristas como um exemplo da política preventiva (MACHADO, 1989), a prática habitual vem na contramão desqualificando esse instrumento de política preventiva à medida que a ampla maioria dos EIAs quando elaborados com antecedência são orientados para justificar a implantação do projeto em sua forma original e não para abrir um processo de negociação, quando não, como vem ocorrendo em nossa região, são feitos a posteriori, a exemplo do “caso Cargil”, para legitimar um fato consumado, ou seja, acabam tendo uma retórica destinada a convencer que foram adotadas todas as providências possíveis para proteger o meio ambiente.
Não será surpresa, portanto, que a mesma regra seja aplicada ao caso da Empresa Buriti, que negligenciou o EIA/RIMA, uma etapa essencial no processo de licenciamento do Projeto Habitacional, que já vêm sendo implantado às margens da Avenida Fernando Guilhon ao talante dos intentos puramente econômicos, sem respeitar os limites da sustentabilidade, tampouco a legislação ambiental existente em nosso ordenamento jurídico, representando uma afronta aos preceitos do Estado de Direito Ambiental que tanto perseguimos.
Nesse trágico enredo, mas uma vez assistiremos os impactos ambientais ocasionados pela obra criminosa da Empresa Buriti serem apresentados no discurso do Poder Público Municipal e da empresa como condição inevitável para que a população do município de Santarém possam desfrutar dos benefícios da realização de seus projetos habitacionais, de forma a realizar seus sonhos de ter uma casa própria.
Mais uma tentativa de ludibriar os munícipes de Santarém, afinal que espécie de “desenvolvimento” é esse que devasta nossas florestas e seca nossos rios, nossas maiores riquezas. Do que adianta ser possuidor de um lote, construir uma bela casa tendo como quintal o cenário da destruição do Lago do Juá. Assim, o que essa empresa vem nos oferecer é a miséria ao nosso povo, visando lucrar em troca do nosso ativo verde, que tem um preço bem superior no “mercado verde”. É possível sim, se ter crescimento econômico em harmonia com a Natureza, porém empresas irresponsáveis como a Buriti não querem internalizar os custos de um empreendimento sustentável, não querem dividir seus lucros senão externalizar os efeitos deletérios dos danos ambientais por ela causados. Nesse caso deve-se aplicar o princípio do poluidor-pagador que impõe a internalização à iniciativa privada dos custos ambientais (degradação e escasseamento de recursos naturais) gerados pelos seus empreendimentos.
Cumpre destacar que a Empresa Buriti ao construir seu projeto habitacional potencialmente lesivo ao meio ambiente no município em desacordo com as normas legais incorreu em crime ambiental, se não vejamos:
Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Vale ressaltar, que mesmo que tenha obtido licença do Poder Público Municipal, caso esta tenha sido emitida com inobservância ao procedimento administrativo de licenciamento resta eivada de nulidade, devendo o ato administrativo (licença) ser fulminado do mundo jurídico.
O certo é que mais uma vez nós só procuramos colocar a tranca na porta depois de arrombada. O dano ambiental já se instalou e a cada dia seus efeitos se protraem no tempo e, com as chuvas que se iniciam tendem a piorar, já que a terra decorrente da terraplanagem efetuada pela empresa tende a assorear o Lago do Juá, já que não foi respeitada a área de preservação permanente, necessária a proteção do rio.
Essa realidade é uma amostra do despreparo do nosso Município no que tange a gestão do meio ambiente, ou seja, um reconhecimento implícito da crise do atual sistema gerador de políticas públicas ambientais. O que adianta termos um cipoal de leis ambientais se não possuímos Órgãos Ambientais idôneos na Administração Pública Municipal e, claro, bem estruturados, com pessoal e técnicos que de fato atuem na fiscalização e defesa do meio ambiente, tampouco, um conselho municipal do meio ambiente que proporcione um espaço de participação político-democrática de negociação ambiental. Todos nós, munícipes desta cidade somos atores indispensáveis nesse processo de negociação ambiental e, somos co-responsáveis na gestão deste “macrobem” que é o nosso meio ambiente (art. 225 da CF/88).
Desta forma, a melhor resposta dos santarenos à ação irresponsável da empresa Buriti é não comprar seus lotes construídos à custa do massacre de nossos recursos ambientais. Isso sim seria um exemplo de cidadania ambiental. Não somos contra a implantação de projetos habitacionais desde que respeitem a legislação ambiental pertinente, sendo construídos nos limites da sustentabilidade, sem comprometer os recursos naturais das futuras gerações.
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