quarta-feira, 21 de novembro de 2012

MPF investiga denúncia de envenenamento em córrego de comunidade indígena

Perícia pode confirmar contaminação. Pena chega a 15 anos de prisão.

Imagem divulgada na Internet pelos indígenas
mostra córrego tomado pela espuma branca
O Ministério Público Federal em Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, solicitou ontem (20) à Polícia Federal a instauração de inquérito para investigar possível contaminação no córrego Ypo´i, principal fonte de água da comunidade indígena de mesmo nome, localizada em Paranhos, região sul do estado. Além disso, o MPF pede que seja designado, com urgência, equipe profissional que realize perícia na água.
O pedido ocorre depois que indígenas informaram à Funai, em 14 de novembro, que naquele mesmo dia pela manhã uma grande quantidade de espuma branca se formou na superfície do córrego, cobrindo totalmente a água. Fotografias e filmagens feitas pelos indígenas que estavam no local foram encaminhadas ao MPF. Uma amostra da água supostamente contaminada também foi entregue. 
O material e o depoimento da liderança indígena que fez a denúncia foram encaminhados à Polícia Federal, para subsidiar a investigação. O objetivo é confirmar se houve ou não a contaminação e identificar os responsáveis. 
Se for confirmada a contaminação da água, os autores podem responder pelos crimes de envenenamento ou poluição de água potável (artigos 270 e 271 do Código Penal, respectivamente). As penas podem chegar a 15 anos de prisão. 

De MPF MS

Mais uma imoralidade do governo brasileiro na Amazônia

por Edilberto Sena,

Não é possível que os povos, estados, igrejas, movimentos sociais da Amazônia continuem calados, ou conformados se rebaixando aos planos imorais do governo federal na Amazônia. Diz o ditado que quem cala consente e quem consente com algo degradante, se humilha. 
A forma como o governo federal está implantando as hidroelétricas na região é cheia de artimanhas. Quando não convence e há resistências, envia Polícia Federal e Força Nacional para calar os descontentes. Nestes dias chega mais uma decisão destruidora da dignidade dos povos indígenas. A Ministra do planejamento elabora um decreto criando compensação financeira aos índios atingidos por projetos de infraestrutura, como a exploração de minérios e construção de hidroelétricas.
Mírian Belchior, sem o menor sinal de pudor, afirma que “esta é uma iniciativa importante a ser realizada pelo governo”. Por sua vez, o secretário das Minas e Energia, sr. Zimerman, com cinismo afirma que “o pagamento de royalties aos índios é o melhor caminho para destravar o licenciamento de grandes empreendimentos planejados pelo governo”.
Tanta falta de respeito aos direitos dos povos e do meio ambiente tem a ousadia de enfrentar a própria constituição nacional. Esta não permite se construir hidroelétricas em terras indígenas, sem antes fazer oitiva com os povos indígenas a serem atingidos. Para a presidente da república, se há essa restrição constitucional, que se faça uma Medida Provisória, ou decreto e se remenda a constituição, contanto que “o que tem que ser feito será feito”.
Dois novos crimes chegam agora, por conta deste modelo de democracia dilmiana. O primeiro crime, querer iludir os povos indígenas com compensações em dinheiro, pela destruição de seus rios e florestas por causa aas obras de infraestrutura. Outro crime é querer amansar os índios ignorando os não índios da mesma região, ribeirinhos, quilombolas, moradores de comunidades que poderão ser inundadas pelas barragens.
O governo federal não tem escrúpulos de considerar os habitantes da Amazônia como obstáculos ao crescimento econômico do Brasil, de Brasília.
Causa estranheza o silêncio das autoridades estaduais, das prefeituras e câmaras de vereadores , como também das igrejas, sindicatos e colônias de pescadores. Poucos são os movimentos sociais organizados que resistem. São os povos indígenas os que com maior clareza, tomam posição contra essa destruição. Por isso mesmo o governo tenta amansá-los, já que os outros são apenas detalhes sem importância..

“Carta do povo Munduruku para a sociedade brasileira sobre o ocorrido na aldeia Teles Pires”

Enviada pela Associação Indígena Pusuru


Dia 09 de novembro de 2012 a aldeia Teles-Pires do Povo Munduruku sofreu um ataque da polícia brasileira. Pegos de surpresa os indígenas viram homens armados se aproximando das aldeias. Os índios resolveram se aproximar e saber o que estava acontecendo. Ouviram então de um policial a ordem era explodir as balsas e dragas que haviam na região. Os índios pediram que não fizessem isso, pois era de onde a aldeia tirava algum sustento, com a comercialização e troca de produtos da roça para os garimpeiros.
Sem conseguir um diálogo com a policia os índios solicitaram que a polícia não tocasse em seus bens e nem no combustível que havia na aldeia, pois além de poluir o rio o combustível servia a comunidade. O policial que parecia comandar os outros concordou com essa proposta. Mas no dia seguinte os policiais não quiseram acordo e mandaram que todos voltassem correndo para a aldeia. Os índios recuaram, mas às 09:00h a aldeia foi invadida pela polícia, com helicóptero que disparava rajadas de tiros a esmo.
O cacique Baxixi acompanhado de seus guerreiros tentou dialogar com os invasores e um homem que se identificou como funcionário da Funai de Brasília e que acompanhava os policiais. Disse que a ordem era explodir tudo e passar por cima de quem se opusesse. Quando outros guerreiros se aproximaram os policiais começaram a disparar, colocando em pânico crianças e velhos. Um dos idosos estava sendo agredido quando um guerreiro atirou flechas nos policiais. Ele foi atingido por tiros e caiu no rio e depois um policial que comandava a operação atirou na cabeça do índio. Outros guerreiros reagiram com mais flechadas e o helicóptero iniciou a perseguição de mulheres e crianças pelos caminhos das roças. Muitas crianças acabaram se perdendo naquele momento dos pais. Depois disso tudo a policia ainda atirou bombas no local do rio em que o índio foi morto.
A policia começou a invadir as casas das aldeias e a destruir o que encontrava, muitos índios que fizeram filmagens da operação com seus celulares tiveram os aparelhos apreendidos e destruídos.
Aqueles que não conseguiram fugir pro mato foram separados na aldeia, homens mulheres e crianças muito assustados. As mulheres foram muito ofendidas pela polícia.
Este é o relato resumido do que foram aquelas horas de terror na aldeia e que depois foram descritos na Câmara de Vereadores de Jacareacanga.
Nós povos indígenas da etnia Munduruku não aceitamos ser tratados desse jeito. Este não é o primeiro ataque do governo aos nossos direitos. Sabemos que há no congresso nacional a proposta de emenda constitucional 215, a proposta emenda constituição PEC 215. Porque vai prejudica muitas relações em nossa gestão de territórios do povo Munduruku. A AGU quer publicar a portaria 303 que retira nossos direitos e que há outro sem número de propostas no congresso nacional que querem tirar nossa autonomia e nosso território.
Sabemos de nossos direitos, sabemos que a constituição nos protege e que outras leis internacionais que o Brasil assinou também nos protegem, como a convenção 169 da OIT. Porque o governo federal não respeita os direitos dos povos indígenas do Brasil? Esta terra é nossa por isso nós temos direitos de reclamar e defender, porque nós somos donos dessa terral, hoje o governo está querendo tomar nossos territórios o governo está violentando as leis. Agora estamos vendo a pressão que está sendo feita por representantes dos interesses das mineradoras, junto ao congresso nacional, para encaminhar leis que regularizem a exploração de minério em terras tradicionais dos povos indígenas.
O Governo quer construir hidrelétricas em nossas terras e pra isso acha que vai nos intimidar. Nós somos um povo que quer paz e na paz somos bons amigos. Mas se nos querem como inimigos, seremos muito melhores.

Pedimos à sociedade que nos apoie em nossa luta!

CIMAT: conselho indígena mundurucu do alto tapajós

Código da Mineração: "Os resultados podem ser desastrosos". Entrevista especial com Sérgio Sauer

“O Brasil precisa não só alterar a sua legislação, mas estabelecer mecanismos claros de controle, inclusive porque muitas das pressões para alteração da legislação são para flexibilizar a extração e não para melhorar o controle”, assinala o relator do Direito Humano a Terra, Território e Alimentação, da Plataforma Dhesca (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais).

A demanda crescente por riquezas naturais faz com que o Brasil seja um “cenário especial para essa cobiça internacional”, diz Sérgio Sauer à IHU On-Line. Segundo ele, esse é um dos motivos que favorece a discussão sobre a reformulação do Código da Mineração, já que a extração ilegal de minérios no país não é novidade, apesar de o tema ter saído da pauta durante muitos anos.

Na avaliação de Sauer, a exploração desenfreada de minérios no país está relacionada ao Código da Mineraçãovigente, que apresenta fragilidades, como a liberação de concessões de exploração em terras indígenas e em unidades de conservação. “Atualmente, a concessão de lavra é dada àquela empresa que a solicitar primeiro e sem prazo de exploração. Portanto, não há concorrência e muitas concessões se tornam ferramentas de especulação”, menciona.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Sauer frisa que a “extração mineral é uma atividade predatória”, que gera impactos ambientais e econômicos, especialmente no Brasil, porque “tende a exportar a riqueza bruta, sem agregação de valor (não há industrialização), provocando o que vários críticos chamam de reprimarização da economia, o que é insustentável no médio e longo prazo”.
Sérgio Sauer é graduado em Teologia, pela Escola Superior de Teologia – EST, de São Leopoldo, e em Filosofia, pela Universidade Católica de Goiás. É mestre em Filosofia da Religião, pela School of Mission and Theology – University of Bergen, da Noruega, e doutor em Sociologia, pela Universidade de Brasília – UnB, onde atua como docente. Foi responsável pela organização de vários livros dos quais destacamos Capturando a terra: Banco Mundial, políticas fundiárias neoliberais e reforma agrária de mercado (São Paulo: Expressão Popular, 2006);Conferência nacional da terra e da água: reforma agrária, democracia e desenvolvimento sustentável (São Paulo: Expressão Popular, 2007); e Encontro nacional dos povos do campo: por dignidade e justiça (São Paulo: Expressão Popular, 2007). 

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que alterações o novo Código da Mineração propõe em relação ao código vigente? 
Sérgio Sauer – Alterações na atual lei de mineração (uma lei de 1967) estão em debate já há algum tempo. No entanto, o poder Executivo federal ainda não enviou um projeto de lei para o Congresso. Ainda não há um texto – na verdade, deverão ser vários, uns dois ou três projetos – para fazermos uma análise mais precisa sobre as mudanças em relação à lei vigente.

Por outro lado, o poder Executivo federal tem manifestado alguns pontos que deverão compor o novo texto, tais como a necessidade de estabelecer mecanismos de competição entre as empresas mineradoras, incentivando a exploração das reservas. Atualmente, a concessão de lavra é dada àquela empresa que a solicitar primeiro e sem prazo de exploração. Portanto, não há concorrência e muitas concessões se tornam ferramentas de especulação (reservas, no sentido literal a ser ou não exploradas no futuro). Setores do Executivo entendem que a concessão através de leilões irá se constituir em incentivo à exploração mineral, pois deverá incentivar a concorrência.

IHU On-Line – Quais são as justificativas para alterá-lo? É necessário um novo Código da Mineração? 
Sérgio Sauer – Em primeiro lugar, é importante ter claro que estamos vivenciando uma crescente demanda por recursos naturais em nível global. Há várias razões ou causas para este aumento da demanda, sendo que isso é sempre entendido como uma oportunidade de negócios. E, no caso do Estado, resulta também em pressões para incentivar – ou criar condições favoráveis a – tais negócios. Portanto, parte significativa das razões para as alterações em discussão tem essa demanda mundial como pano de fundo.
Em segundo lugar, o Executivo federal entende que é preciso evitar processos de especulação, criando mecanismos que permitam controlar a exploração. Exemplo disso é estabelecer tempo ou prazo para início e fim dessa exploração. Conforme já mencionei, a lei atual não estabelece limite de tempo para as concessões (os prazos não expiram). Portanto, empresas beneficiadas não são pressionadas para tornar as jazidas produtivas. A exploração fica totalmente a critério dos interesses privados da empresa concessionária.
E em terceiro lugar, na linha de uma racionalização na exploração dos minérios, o governo federal pretende criar uma agência reguladora e estabelecer critérios para a cobrança – ou pagamento – de royalties, gerando divisas (arrecadação). Diga-se de passagem, isso não será um tema fácil, assim como vem acontecendo no caso do petróleo, com muitas disputas entre os estados (e a União), com resistências especialmente dos mais ricos em reservas.

IHU On-Line – Quais são os principais problemas do Código da Mineração vigente?
Sérgio Sauer – Os principais problemas da legislação em vigor estão relacionados a concessões de exploração em terras indígenas e em unidades de conservação. Nessa linha, há vários projetos tramitando no Congresso, inclusive um já aprovado no Senado e em debate na Câmara sobre autorização de exploração mineral em terras indígenas.
Um projeto de autoria do senador Romero Jucá (PMDB/RR) foi aprovado no Senado e está em discussão em uma comissão especial na Câmara. É um tema difícil e sensível. Basta lembrar do recente incidente em terras dos índiosKayabi e Munduruku, ao longo do rio Teles Pires, entre os estados de Mato Grosso, Pará e Rondônia. A extração ilegal de ouro, por exemplo, é uma atividade que movimenta milhões de reais, o que torna o controle necessário, mas extremamente complexo. Diga-se de passagem, o texto aprovado no Senado somente complica ainda mais o problema. Portanto, ele está sendo revisto na Câmara. Mesmo assim, não é um tema fácil.

IHU On-Line – O que novo Código propõe acerca das mineradoras e da exploração mineral no país?
Sérgio Sauer – Parece que os principais temas são os leilões (fomentando a concorrência) e mecanismos de controle dos prazos de exploração. Por outro lado, o Executivo federal está pensando em propor a constituição de uma agência reguladora (nos mesmos moldes de outros setores como a de energia elétrica), o que teoricamente deve melhorar o sistema de concessão e o controle da exploração.

IHU On-Line – Nas discussões acerca do novo Código, sugere-se aumentar a participação do Estado nos resultados financeiros gerados pelas atividades minerais. O que isso significa e quais as implicações?
Sérgio Sauer – Não há uma proposta concreta, mas o poder Executivo quer estabelecer royalties na exploração mineral, o que é legítimo, pois trata-se de riquezas nacionais. É preciso regras claras no processo de exploração para que a atividade não se transforme em uma simples apropriação privada de recursos que são da nação brasileira. No entanto, não há uma regra clara, mas propostas em estudo, segundo informações veiculadas nos meios de comunicação.

IHU On-Line – O novo Código menciona a possibilidade de exploração mineral em terras indígenas?
Sérgio Sauer – Provavelmente, a regulamentação da exploração de minérios em terras indígenas será feita em lei separada, como, por exemplo, com a discussão e aprovação do Projeto de Lei n. 1610, que está em tramitação na Câmara dos Deputados, inclusive porque o Marco Legal deve considerar as particularidades – legais, constitucionais – das terras indígenas.

IHU On-Line – Quais as implicações sociais e ambientais da ampliação da mineração no país?
Sérgio Sauer – De maneira geral, a extração mineral é uma atividade predatória com muitos impactos ambientais. Consequentemente, a sua regulamentação ou mudanças nas regras de exploração por si só já é muito controversa. Os possíveis impactos ambientais, a exemplo da extração de minério de ferro de Carajás, é um bom exemplo das resistências de diversos setores às atividades de mineração. No entanto, é preciso considerar que as críticas não são só de ambientalistas, pois é uma atividade econômica que tende a exportar a riqueza bruta sem agregação de valor (não há industrialização), provocando o que vários críticos chamam de reprimarização da economia, o que é insustentável no médio e longo prazo.

IHU On-Line – Como compreender os investimentos dos governos progressistas da América Latina no setor, com a justificativa de superar a desigualdade e a pobreza?
Sérgio Sauer – A lógica econômica hegemônica se mantém a mesma, ou seja, todas as possibilidades de geração de empregos e criação de riqueza são vistas a partir do crescimento econômico. Portanto, a racionalidade clássica ainda se sobrepõe a qualquer outra, o que dá credibilidade à exploração mineral como mecanismo ou ferramenta de crescimento e, em consequência, de distribuição dos benefícios. Conforme mencionei, é preciso colocar essa racionalidade (de crescimento econômico continuado) em um contexto mundial de demanda crescente por minérios (além de água, commodities agrícolas, madeira e outros recursos naturais). A combinação disso tudo gera um ambiente para que as oportunidades de negócios favoreçam os mais pobres, o que é um engano.

IHU On-Line – Nos últimos dias a imprensa tem divulgado notícias sobre a “corrida do ouro” no Pará, e da possível atuação da Belo Sun Mining na região. Como avalia a atuação internacional no território brasileiro? 
Sérgio Sauer – Há uma demanda crescente por riquezas naturais e o Brasil é um cenário especial para essa cobiça internacional. Mas essa cobiça não é nova. Nos anos mais recentes, os conflitos e problemas – sociais e ambientais – da extração de minérios como o ouro saíram das pautas, mas o problema permanece. Como é um caso relacionado a outro que mobiliza a opinião pública, ou seja, os embates em torno da construção de Belo Monte, vieram à tona as intenções da mineradora. No entanto, é só um exemplo de muitas atividades de pesquisa (que já se tornou um negócio, ou seja, os próprios levantamentos já estão sendo negociados) e exploração ilegal e sem controle de minérios na região Amazônica. Consequentemente, o Brasil precisa não só alterar a sua legislação, mas estabelecer mecanismos claros de controle, inclusive porque muitas das pressões para alteração da legislação são para flexibilizar a extração e não para melhorar o controle.

IHU On-Line – Com a aprovação do novo Código Florestal, após vários debates, o que é possível esperar acerca do novo Código da Mineração?
Sérgio Sauer – Há muitos interesses em jogo e as pressões, assim como no Código Florestal, são massivas sempre na perspectiva de abrir e flexibilizar as regras. Estamos falando de leis e mecanismos de controle – ou de regulamentação – de uma riqueza imensa. Portanto, haverá muita pressão, não só de grandes proprietários de terras como também de empresas multinacionais, não necessariamente estrangeiras, pois temos os interesses da Vale e de tantas outras corporações do ramo. O poder econômico deste setor será ainda mais pesado sobre a legislação do que foi no caso do Código Florestal. Assim, os resultados podem ser desastrosos, tanto no sentido da preservação (ou na falta dela) como no da flexibilização e falta de controle sobre as riquezas nacionais.

De IHU

MPF abre investigação sobre conflito entre Polícia Federal e indígenas Munduruku no Teles Pires

Procuradores da República cobram da PF dados sobre exames periciais e relativos ao planejamento e execução da operação Eldorado na área Munduruku

O Ministério Público Federal (MPF) abriu oficialmente nesta segunda-feira, 19 de novembro, investigação sobre o conflito entre policiais federais e índios Munduruku da aldeia Teles Pires, na divisa dos estados do Pará e Mato Grosso. No último dia 7, dois policiais e seis indígenas ficaram feridos e o índio Adenilson Kirixi Munduruku foi assassinado com três tiros, segundo representação assinada por 116 organizações e entidades da sociedade civil. 
Os procuradores da República Felipe Bogado, que atua em Santarém (PA), e Márcia Brandão Zollinger, do MPF em Cuiabá (MT), determinaram o envio de ofício à Polícia Federal (PF) em Mato Grosso com uma série de questionamentos. O MPF quer saber se foi feita necrópsia, para apurar a causa da morte, e se houve a identificação, apreensão e o exame pericial na arma que teria efetuado o disparo contra o indígena.
No ofício, os procuradores da República também solicitam que a PF forneça cópia dos áudios e vídeos que tenham sido gravados nos dias da ação policial e que seja apresentada a relação detalhada de todos os participantes da operação, sejam eles da PF, da Força Nacional de Segurança, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Fundação Nacional do Índio (Funai) ou de quaisquer outros órgãos.
O MPF também quer informações sobre os nomes e contatos das lideranças indígenascom quem no dia 6 teria sido combinada a realização da ação policial. A operação Eldorado foi deflagrada com o objetivo de desarticular organização criminosa dedicada à extração ilegal de ouro em terras indígenas. Segundo nota à imprensa divulgada pela PF, houve acordo com os índios para a realização da operação na área dos Munduruku.Os procuradores da República também determinaram o envio de ofício ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Cuiabá para solicitar cópias dos boletins médicos dos dois indígenas hospitalizados na capital mato-grossense.
O MPF vai realizar oitiva dos agentes públicos que participaram da organização logística da operação e dos que executaram a atividade. 

Relatos – Segundo relatos coletados pelas organizações autoras da denúncia ao MPF, houve violações a direitos indígenas, abuso de autoridade e outros crimes. A PF teria chegado à aldeia fazendo voos rasantes de helicóptero e disparando projéteis de borracha, o teria assustado os indígenas - entre eles idosos, crianças e mulheres – e provocado a reação dos guerreiros com arcos e flechas.
“Na sequência, a polícia disparou contra os indígenas, resultando em diversos feridos e na execução de uma liderança indígena. Adenilson Munduruku foi encontrado pelo seu povo com três tiros, um na cabeça e um em cada uma das pernas. Indígenas afirmam que quando o corpo caiu na água a polícia federal atirou bombas contra ele na tentativa de destruí-lo”, diz a representação apresentada ao MPF no último dia 14. 
Entre os signatários do documento estão sindicatos, associações indígenas, associações de classe, entidades estudantis, partidos políticos e movimentos sociais da Amazônia e de todo o país (veja a íntegra da representação aqui).
De MPF Pará

Guarani Kaiowá e as perversidades do senso comum

“O escândalo da questão indígena é a resistência que eles têm em aceitar os nossos mitos, ou as nossas ilusões sobre o Brasil”. O comentário é de Renzo Taddei, professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em artigo no portal do sítio do Ibase.

Eis o artigo:

Nas últimas semanas recebi uma quantidade impressionante de solicitações, via redes sociais e e-mail, para manifestar meu apoio à causa dos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Não me lembro, em minha experiência com redes sociais, de ter visto mobilização desse porte. Há pouco mais de uma semana, saiu decisão judicial a favor dos indígenas – ou, para colocar em termos mais precisos, revogando a reintegração de posse da área onde estão. Como atentou gente mais próxima ao movimento indígena, isso por si só não garante quase nada, apenas que violências maiores não sejam cometidas no curto prazo. 
De qualquer forma, não tive muito tempo para me alegrar com o que parecia uma vitória do potencial de mobilização descentralizada da sociedade civil: ao comentar a questão com um amigo, no Rio de Janeiro, recebi como resposta a pergunta, maliciosamente feita de forma a combinar ironia e seriedade em proporções iguais: “mas, afinal, para que servem os índios?” Desconcertado, não consegui articular nada, apenas retruquei: “não sei; mas e você, pra que serve?”
Não pude deixar de pensar no assunto nos dias que se seguiram. Mas, no caso, o assunto deixou de ser exatamente a situação dos Guarani Kaiowá, ou das especificidades de conflitos entre índios e não-índios, e passou a ser a situação de certa configuração de ideias do senso comum da população urbana – ou pelo menos das coletividades nas quais me insiro, no Rio de Janeiro e em São Paulo – sobre os índios, em primeira instância, e sobre aqueles que são irredutivelmente diferentes, em última. 
Obviamente esse é assunto complexo, e vou me limitar a apenas pontuar alguns temas que, creio, são importantes para iluminar o contexto no qual notícias sobre os conflitos envolvendo indígenas ganham significados, para a grande parcela da população brasileira que inevitavelmente participa disso tudo na posição de meros espectadores.

Sobre a natureza dos índios e não-índios

Certa vez, em uma aula de antropologia, na Escola de Comunicação da UFRJ, usei um exemplo hipotético de jovem índio que vinha à universidade estudar medicina. “Aí ele deixa de ser índio”, alguém disse. Na discussão que se seguiu, a opinião prevalecente era de que as expressões “índio urbano” e “índio médico”, usadas por mim, eram contradições em termos. Eu perguntei, então, se o fato de eu ser descendente de italianos, o que me dá, segundo a legislação italiana, o direito de “virar italiano”, faz com que eu deixe de ser alguma coisa – brasileiro, por exemplo. 
Confusão nas fisionomias. Por que eu posso virar italiano sem deixar de ser brasileiro, e ninguém vê problema nisso, e o índio não pode “virar” urbano sem deixar de ser índio? Concluímos – com vários autores estudiosos das populações indígenas – que, sem que as pessoas se deem conta, nós, urbanos, ocidentalóides, nos entendemos na maior parte do tempo como seres “culturais”, tendo algum controle sobre nossas identidades, portanto; enquanto isso, percebemos a essência indígena (se é que isso existe) como algo “natural”, sobre a qual eles não têm, nem podem ter, controle algum.
Nada mais natural, então, que pensar que lugar de índio é na floresta, e que índio tem que ser preservado, como se fosse parte da biodiversidade. Ou então índio deixa de ser índio e vira não-índio, arranja emprego, compra casa, toca a vida na cidade – se desnaturaliza. O problema é o índio que quer morar na cidade, ser médico, talvez, sem abandonar suas formas indígenas de entender o mundo e vida. Ou o índio que quer câmeras fotográficas, antibióticos, televisores, antenas parabólicas e escolas, mas não quer abrir mão da sua forma não-ocidental, e portanto não capitalista, de entender sua relação com a terra, por exemplo. Ou não quer abrir mão de sua forma não-ocidental, e portanto não marcada por um reducionismo materialista esvaziado e irresponsável, de relação com câmeras fotográficas, antibióticos, televisores, antenas parabólicas e escolas (é parte do senso comum que o que essas coisas são para mim são também para todos que delas fazem uso, o que não é verdade sequer para gente do mesmo grupo social). 
A questão se apresenta de forma pervasiva até entre gente politicamente progressista: na Cúpula dos Povos da Rio+20, uma grande amiga, ativista, me confidenciou ter ficado espantada ao ouvir de lideranças indígenas que eles gostariam de ter energia elétrica, saneamento, escolas. Eram afirmações que contrariavam suas expectativas “romanceadas”, nas suas próprias palavras, a respeito dos índios.
Por que é tão difícil aceitar a ideia de que quando o índio diz querer escola, ele não está fazendo nenhuma declaração sobre a sua identidade? Porque, dentre muitas outras coisas, identidade é paranoia de não-índio, mas não (necessariamente) paranoia de índio. Aqui começamos a chegar a algum lugar: é muito incômodo conviver com alguém que não compartilha nossas paranoias.
Uma das decorrências perversas desse estado de coisas é a forma como somos levados a ver os índios como pessoas “incompletas”, como sendo “menos” que os não-índios. Não é à toa que, juridicamente, os índios foram ao longo do século 20, até a Constituição de 1988 pelo menos, tratados como equivalentes a crianças, ou seja, como seres incapazes e que demandavam tratamento jurídico diferenciado, justamente em função dessa incapacidade. O problema estava (e está) nos códigos jurídicos, fechados à possibilidade do direito à diferença, e não nos índios, que não são mais nem menos capazes que os não-índios, mas apenas diferentes em suas capacidades. A mudança constitucional de 1988, como a própria questão dos Guarani Kaiowá demostra, ocorreu infelizmente muito mais de juris do que de fato.

Os muitos significados do verbo servir

Mas voltemos à questão sobre a “serventia” dos índios. O tema apareceu novamente em reportagem da revista Veja, edição de 4 de novembro. Replicando argumentos usados em edições anteriores ao tratar do tema, o texto (que de jornalístico não tem quase nada) mescla desinformação e preconceito, ao fazer uso, por exemplo, de argumentos como a suposta “trágica situação [dos índios] de silvícolas em um mundo tecnológico e industrial”, de afirmações como “[a] Funai também apoia o expansionismo selvagem”, e de acusações descabidas, como a de que os antropólogos ligados ao Conselho Indigenista Missionário querem transformar o sul do Mato Grosso do Sul numa “grande nação guarani”, justamente na “zona mais produtiva do agronegócio” do estado. 
Em 2010, a revista havia afirmado, através de um malabarismo estatístico de quinta categoria (digno de envergonhar até ruralistas medianamente sofisticados), que 90% do território brasileiro é ocupado ou destinado a áreas de preservação ambiental, comunidades indígenas, quilombolas e áreas de reforma agrária; “a agricultura e demais atividades econômicas terão apenas 8% de área para se desenvolver”. Enfim, a estratégia retórica é clara: quem não contribui com o agronegócio e demais formas de produção capitalista em grande escala – no caso, os índios e todos os demais grupos de alguma forma ligados a usos não predatórios da terra – não contribui com a economia nacional. Em uma palavra: só serve para atrapalhar.
Essa é uma questão, me parece, fundamental: é preciso discutir o conceito de serventia. Como a ideia de “servir” participa em nossas vidas, e na forma como aprendemos a entender e viver o mundo? Se a serventia dos que (supostamente) não estão integrados ao projeto da nação é um tema relevante – tanto ao pseudo-jornalismo da Veja como a certo senso comum urbano -, e nós, não-índios, (supostamente) integrados, afinal, servimos pra quê? E como isso afeta nossa compreensão das questões indígenas no Brasil contemporâneo, e mais especialmente o caso dos Guarani Kaiowá? Na minha opinião, isso tudo serve de pano de fundo contra o qual as audiências urbanas, dos grandes canais de mídia, distantes do Mato Grosso do Sul, atribuem sentido às notícias.
O caso dos Guarani Kaiowá traz à luz um elemento da vida cotidiana brasileira que é feito estrategicamente invisível na forma como somos ensinados a entender o mundo. Eles não querem ser “como nós”; tenho a impressão de que para a maioria da população urbana isso não apenas é contra intuitivo, mas figura como um choque, quase como uma afronta. Se eles gostam de fotografia, eletricidade, escolas e antibióticos, qual o problema, então?
Há uma diferença fundamental entre a experiência de mundo dos índios e dos não-índios brasileiros, e isso está ligado ao “lugar” onde se encontram as coisas verdadeiramente importantes. De acordo com trabalhos antropológicos que descrevem as visões de mundo e formas de vida de várias etnias indígenas sul-americanas, uma das características marcantes da vida indígena (para quem não é índio, obviamente), é a proximidade existencial das pessoas com os níveis mais altos da existência política e religiosa das suas sociedades. O poder político, em geral, não é algo que se manifeste em forma de hierarquias verticais, da forma como as entendemos, e provavelmente está ocupado por alguém com quem as pessoas da tribo tem relação pessoal direta, muitas vezes de parentesco. 
O mesmo se dá no que diz respeito à existência espiritual: está tudo logo ali, divindades, antepassados, espíritos, mediados pelas práticas do xamã, que também é conhecido de todos (ainda que, igualmente, talvez temido por todos). Há a percepção de que as coisas do mundo, alegrias e tristezas, sucessos e fracassos, são intrinsecamente ligadas à existência das pessoas da comunidade – os antropólogos chamam isso de relação de imanência.
O que é que a “integração” ao Brasil oferece, em contrapartida? Fundamentalmente, o deslocamento do centro de gravidade da existência para algum outro lugar, mais distante, abstrato, de difícil compreensão. Os índios resistem à ideia de que o centro do mundo passe a residir em outro lugar – em Brasília, por exemplo. Ou seja, resistem ao processo que os faz marginais. A marginalização, tomando a expressão de forma conceitual (ou seja, fazendo referência a quem está nas margens, nas bordas ou periferia), pode se dar deslocando-se alguém para a periferia do mundo, ou deslocando o centro de lugar, de modo que quem era central passa a ser periférico, e, portanto, marginal. De certa forma é exatamente isso que o Brasil oferece aos indígenas. Mas quem é que quer ser marginal?
O que a imensa maioria de nós, urbanitas ocidentalóides, não percebemos é que é isso, exatamente, que o Estado faz conosco. Assistimos à política e às outras formas de organização do nosso mundo – justiça, administração pública, economia – na qualidade de espectadores. Irritados, confusos, insatisfeitos, mas quintessencialmente espectadores. Somos mais capazes de interagir com um reality show do que com o mundo da política. 
Desde pequenos somos ensinados – e as políticas educacionais e conteúdos programáticos são desenhados cuidadosamente para tanto – que as coisas realmente importantes acontecem em algum outro lugar, e que são muito complexas, e que por isso mesmo há alguém mais capacitado cuidando disso tudo, para que possamos viver nossas vidas em paz. Ou seja, para que possamos não pensar em nada que não seja nos mantermos vivos e sermos economicamente ativos – e assim contribuir com o “projeto da nação”. Ou seja, o Estado reduz nossa vida ao mínimo – pão e circo, bolsa família e telenovela – para que as coisas funcionem e efetivamente aconteçam em algum outro lugar. Somos espectros de cidadãos.
Ou seja, a pergunta sobre para que servem as pessoas deve ser recolocada em outros termos: do que é que cada um de nós abre mão para “participar” do Brasil? Nós servimos para servir ao Estado. Somos todos marginais, e não nos damos conta disso. O escândalo da questão indígena é a resistência que eles têm em aceitar os nossos mitos, ou as nossas ilusões – sobre o Brasil, por exemplo. Acostumados à experiência da autodeterminação, eles talvez tenham uma visão do que é o Brasil, como “projeto de nação”, que em muitos sentidos pode ser mais realista do que a de todos nós.
O Estado brasileiro só vai ser capaz de avançar na questão dos conflitos indígenas quando parar de tratar o tema da autodeterminação como anátema. E só o fará quando deixar de ter na tutela dos seus súditos sua razão de ser – ou seja, quando as elites políticas abandonarem a visão que tem de que o Brasil é fundamentalmente habitado por gente desqualificada, intelectualmente e moralmente inferior, e mal intencionada, e que demanda, portanto, o esforço do Estado para corrigir desvios e induzir a massa ao caminho produtivo. 
O Estado brasileiro é incapaz de reconhecer valor nas diferenças, justamente porque a homogeneização coletiva é condição de existência do próprio Estado. Frequentemente é evocada a noção de atentado à soberania nacional quando o tema das diferenças é trazido ao centro da arena.
E se um bocado de gente decide – muito arrazoadamente, por sinal – que a economia não deve mais crescer? Isso, dirão muitos, é obviamente um atentado à soberania nacional. Ou não? É, antes que tudo, e talvez apenas, um atentado à soberania do soberano. Pelo menos da tecnocrática soberana da ocasião.
Manifestemo-nos hoje, enfaticamente, em defesa dos Guarani Kaiowá. Como forma de materializar nosso apreço pela liberdade e pelo direito à diferença. Como forma de protesto contra um Estado centralizador e autoritário. Como declaração de que não queremos juiz, médico, político ou professor nos dizendo como devemos viver nossas vidas. Essa função está reservada para os poetas – índios e não-índios, brancos e não-brancos.

DeIHU

Contra a PEC 37

Eu sempre compartilho aqui no blog informações referentes à ações do MPF, de todas as partes do Brasil, em defesa dos direitos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, do meio ambiente e sociedade de forma geral. E esse "poder" do MPF está em risco!

Para quem não sabe, a PEC 37/2011 pretende retirar poderes investigatórios do Ministério Público e estabelecer a exclusividade da investigação para a Polícia Civil e Federal e constituirá um prejuízo enorme a sociedade.

Por isso, entre na campanha contra a PEC 37 você também. Confira abaixo 10 motivos para dizer não:

Para saber ais sobre a PC 37, leia:
PEC 37 — A Emenda da Insensatez e os pés de Curupira




#RespostaGuaraniKaiowa: Movimentos organizam tuitaço pelo direito de resposta aos indígenas na revista VEJA

Nesta quinta-feira, 22, a partir 15h, apoiadores, movimentos e indígenas se mobilizam para denunciar racismo na mídia e exigir direito de resposta aos indígenas. Às 15h, horário de Brasília

Na quinta-feira, 22, apoiadores, movimentos e indígenas se mobilizam para denunciar casos de racismo na mídia e exigir direito de resposta aos indígenas na principal publicação da editora Abril e maior revista semanal de informação do Brasil, a Veja. O tuitaço #RespostaGuaraniKaiowa começa às 15h, horário de Brasília.
No dia 14 deste mês, os indígenas e dezenas de entidades lançaram uma carta pública intitulada “Revista Veja: direito de resposta aos Guarani e Kaiowá já”, denunciando o teor anti-indígena e discriminatório da matéria, exigindo apuração por parte da Justiça e o direito de resposta nas páginas do veículo. Lançaram também uma abaixo-assinado que será entregue ao Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul.
Em reportagem assinada pelos jornalistas Leonardo Coutinho e Kalleo Coura e publicada dia 4 de novembro sobre a situação fundiária do Mato Grosso do Sul, a revista não perdeu “a oportunidade de apresentar, mais uma vez, a imagem dos Guarani e Kaiowá como seres incapazes, como [se] nós indígenas não fossemos seres humanos pensantes. Fomos considerados como selvagens e truculentos”, conforme denunciaram os indígenas em nota pelo Facebook.





terça-feira, 20 de novembro de 2012

Justiça Federal proíbe concessão de licença para a usina São Luiz do Tapajós

A pedido do MPF, juiz de Santarém determinou que, antes de qualquer licença, deve ser feita consulta aos índios e a avaliação ambiental integrada dos impactos


A Justiça Federal em Santarém proibiu a concessão de licença ambiental para a usina São Luiz do Tapajós enquanto não forem realizadas a consulta prévia aos índios afetados e a Avaliação Ambiental Integrada dos impactos de todas as usinas planejadas para a bacia do rio Tapajós. A usina integra um complexo de aproveitamentos hidrelétricos no oeste do Pará que vão afetar a terra Munduruku, onde vivem mais de 10 mil indígenas, além de unidades de conservação, comunidades quilombolas, cidades e reservas extrativistas.
O juiz José Airton de Aguiar Portela fixou multa diária de R$ 100 mil em caso de desobediência à proibição. Para conceder qualquer licença, os réus – União, Ibama, Aneel, Eletrobrás e Eletronorte – terão que realizar a consulta aos índios, avaliação ambiental integrada e avaliação ambiental estratégica. As avaliações ambientais são exigências do próprio Ministério das Minas e Energia desde 2009, mas não foram feitas para as usinas do Tapajós.
“O poder público não pode negligenciar regras que ele próprio instituiu, por mais urgentes que sejam as demandas energéticas do país, pois não surgiram da vontade caprichosa de algum burocrata, mas como reclamo da própria realidade da exploração dos potenciais hidrelétricos no Brasil que, registre-se, revelou-se desastrosa por não tomar em consideração os diversos elementos presentes em uma bacia hidrográfica”, diz a decisão judicial.
A exigência do Ministério está na portaria nº 372/2009, que define que “a escolha da melhor alternativa de divisão de quedas para o aproveitamento do potencial hidráulico é determinada a partir de critérios técnicos, econômicos e socioambientais, levando-se em conta um cenário de utilização múltipla da água”.
A avaliação deverá considerar, inclusive, “a necessidade de mitigações e compensações no que diz respeito à infraestrutura urbana, rodoviária, portuária e aeroportuária, além de investimentos em saúde e educação nos municípios de Santarém, Jacarecanga, Itaituba, Novo Progresso, Trairão, Rurópolis, Aveiro e Belterra.”
A consulta aos índios Munduruku, de acordo com a decisão judicial, deve ser dirigida às comunidades Andirá-Macau, Praia do Mangue, Praia do Índio, Pimental, Km 43, São Luiz do Tapajós e outras que ainda não tenham sido localizadas.

Fatos Florestais da Amazônia 2010

Pereira, D., Santos, D., Vedoveto, M., Guimarães, J., & Veríssimo, A. (2010). Fatos Florestais da Amazônia 2010 (p. 124). Belém: Imazon.

Fatos Florestais da Amazônia 2010 sintetiza, em nove capítulos, as estatísticas sobre o setor florestal da Amazônia. Trata-se do diagnóstico mais completo já realizado sobre a principal atividade de uso da terra na Amazônia – o setor madeireiro. Essas informações foram compiladas a partir de levantamentos primários do Imazon e dados secundários mais recentes de outras instituições (IBGE, Ipea, MMA etc.). 
Em Fatos Florestais 2010 resumimos também as informações sobre o setor moveleiro, as iniciativas de reflorestamento e a situação do mercado de carbono. Tratamos também dos avanços e desafios do manejo florestal incluindo monitoramento independente, certificação, concessão e treinamento. 
Fatos Florestais da Amazônia 2010 foi escrito principalmente para pesquisadores, estudantes, jornalistas, empresários, professores e demais profissionais atuantes na Amazônia brasileira. Este estudo, aliado às edições anteriores (Fatos Florestais da Amazônia 2003 e 2005), reúne a mais completa série sobre a atividade do setor florestal na região. Dúvidas e comentários podem ser diretamente enviados aos autores pelo e-mail denys@imazon.org.br.

Visualize AQUI a versão online


Baixe também a publicação dividida em capítulos:

Do IMAZON

Nova corrida pelo ouro. Entrevista especial com Telma Monteiro

“A estrutura a ser criada no novo Marco Legal da mineração é exatamente similar ao da energia elétrica, só mudam as siglas”, constata a educadora ambiental.
“O mesmo Estado que criou áreas de proteção para preservar os biomas demarcou terras indígenas, discutiu por anos a fio o novo Código Florestal, e agora está criando um monstro na forma de um novo Marco Legal da mineração que vai afetar justamente essas mesmas áreas especiais, explorando seus recursos minerais”. A declaração é de Telma Monteiro, ao criticar a proposta de um novo Código da Mineração. Para ela, a elaboração de um novo código para o setor causa a impressão de que “o Estado, que não tem (ainda) o poder de anular as leis já existentes ou de extingui-las, opta por criar novas leis que, na prática, acabam anulando as que se opõem aos seus projetos de poder”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line,Telma diz que a maior parte dos projetos de mineração está na Amazônia Legal, em unidades de conservação e em terras indígenas. Segundo ela, o atual Marco Legal da área impossibilita validar a mineração em determinadas áreas. Por isso, “foi preciso, então, aproveitando a tramitação do PL 1610/96, começar atrair investidores com uma possível viabilização, em paralelo do novo Marco Legal da mineração brasileira”. E acrescenta: “É uma operação casada, na verdade, um tripé que vai permitir que o governo passe a leiloar, como na energia elétrica, o direito de exploração mineral”. 
Telma Monteiro é especialista em análise de processos de licenciamento ambiental e coordenadora de Energia e Infraestrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.

Confira a entrevista:

IHU On-Line – Que fatores motivam a alteração no Código da Mineração? Em que consiste e como avalia a proposta de um novo marco regulatório para o setor?
Telma Monteiro– Segundo o governo, burocracia e “fraqueza” do poder concedente foram diagnosticadas como os principais problemas do setor de mineração. Em meu entender, isso significa que o Estado se sente inseguro e, como não dizer, pouco soberano com o estado da arte da mineração brasileira. 
Quando se olha o mapa do Brasil, em especial o da Amazônia Legal, com a sobreposição dos processos minerários, nota-se que a maior parte desses processos está localizada em unidades de conservação e em terras indígenas. Ora, com o atual Marco Legal é praticamente impossível viabilizar a mineração em áreas especiais e não há investidor disposto a bancar o risco. 
Então, aproveitando a tramitação do Projeto de Lei n. 1610/96, foi preciso começar atrair investidores com uma possível viabilização, paralelamente ao novo Marco Legal da mineração brasileira. É uma operação casada, na verdade trata-se de um tripé que vai permitir que o governo passe a leiloar, como na energia elétrica, o direito de exploração mineral: Plano Nacional de Mineração 2030 que foi lançado em 2011, o Marco Legal que também começou a ser discutido em 2011 e o Projeto de Lei n. 1610/96, que passou a ter uma visibilidade maior também em 2011. 
É muito importante ressaltar que o Congresso pretende votar o mais rápido possível, este ano ainda, o Código da Mineração. A estrutura a ser criada no novo Marco Legal da mineração é exatamente similar ao da energia elétrica, só mudam as siglas. O Ministério de Minas e Energia vai ter o poder total sobre a exploração dos recursos minerários no Brasil. É uma concentração de poder num único ministério, sem precedentes na história.

IHU On-Line – Como você avalia o Projeto de Lei n. 1610, que regulamenta a exploração de minérios em terra indígena?

Telma Monteiro (foto) –  Uma comissão especial da Câmara dos Deputados está funcionando para dar um parecer sobre oPL 1610/96 de autoria do senador Romero Jucá (PMDB/RR). 
Eu não acredito no objetivo de fazer uma legislação moderna sobre mineração, voltada para a realidade brasileira, sem consultar os principais interessados no assunto: os indígenas.
A presidente Dilma quer acelerar o processo, pois o Projeto de Lei já foi aprovado pelo Senado e agora tramita na Câmara dos Deputados. Há um entendimento do Ministério Público e das lideranças indígenas no sentido de que a matéria seja vinculada ao Estatuto dos Povos Indígenas que tramita com dificuldade no Congresso. Porém, a própria comissão especial já sinalizou que não seria possível. 
A principal preocupação com relação ao PL 1610/96 é quanto ao poder de veto da comunidade. Embora se fale em oitivas conforme determina a Constituição Federal, a decisão não seria vinculante. Isso seria o mesmo que aprovar a exploração mineral e terra indígena antecipadamente. A oitiva funcionaria como uma praxe para apenas legitimar.

IHU On-Line – Quais as implicações da mineração para os índios Yanomami?
Telma Monteiro– Se for aprovada no Congresso a lei que prevê a regulamentação da mineração em terras indígenas, todos os indígenas do Brasil serão afetados, não apenas os Yanomami.

IHU On-Line – Como os índios Yanomami se manifestam diante da mineração em suas terras? Há divergência de opiniões?
Telma Monteiro– Os Yanomami são contra a mineração em suas terras, pois acreditam que isso vai lhes trazer problemas, prejuízos à saúde e dificuldades de relacionamento entre eles. Estão preocupados com a degradação ambiental que a mineração causa e como isso afetaria sua sobrevivência. Ainda não há divergências entre eles. 

IHU On-Line – Você declarou recentemente que 80% da terra dos índios Yanomami estão destinadas às empresas mineradoras que apenas aguardam a regulamentação para extrair minério dessas terras. Quais são as empresas envolvidas nesse processo?
Telma Monteiro– Posso citar inúmeras empresas envolvidas com processos minerários no Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, em terra Yanomami. Algumas delas têm dezenas de processos, mas o interessante é que não são conhecidas e na internet só consta ocasionalmente um endereço físico. Tenho a impressão que são apenas empresas formadas com o propósito específico de assegurar para o futuro a “posse” de um naco do território quando for aprovada a mineração em terras indígenas. 
Imagino também que esses processos serão repassados a empresas maiores como aconteceu no caso da mineradora canadense Belo Sun Minig, no Xingu, que adquiriu parte dos direitos minerários de titulares brasileiros. Eis os nomes de algumas empresas que têm números expressivos de processos, todos na Terra Indígena Yanomami: Mineração Amazônia Ltda., BR Mineração Ltda., Eldorado Norte Empresa de Mineração Ltda., C.R. Almeida Engenharia e Construções (essa é conhecida); Brasil Lithium Comércio e Indústria de Minérios Ltda.,Mineração Guararema Ltda., Mineração Montes Roraima Ltda., Mineração Novo Astro S.A., que pertence ou pertenceu a Eike Batista. 
É interessante também notar que cada empresa tem interesses em várias substâncias, tais como: ouro, cobre, nióbio, estanho, chumbo, manganês, cassiterita, berílio, alumínio, platina, prata, tântalo, lítio, césio, tungstênio, zinco, tantalita.
Quando se vê o mapa da terra indígena Yanomami sobreposta com os processos minerários dá para se ter uma ideia da tragédia que seria caso liberassem a mineração em terras indígenas. A maior parte do território está quadriculada. 

IHU On-Line – Quais são as maiores contradições do Estado brasileiro em relação à mineração e à exploração dos recursos minerais? 
Telma Monteiro– A maior contradição é que o mesmo Estado que criou áreas de proteção para preservar os biomas demarcou terras indígenas, discutiu por anos a fio o novo Código Florestal, e agora está criando um monstro na forma de um novo Marco Legal da mineração que vai afetar justamente essas mesmas áreas especiais, explorando seus recursos minerais. 
A impressão que fica é que, à medida que o Estado, que não tem (ainda) o poder de anular as leis já existentes ou de extingui-las, opta por criar novas leis que, na prática, acabam anulando as que se opõem aos seus projetos de poder.
O Estado tem obrigação de cumprir a lei que, se existe, é graças à aspiração da sociedade. O Estado não pode contornar o cumprimento da lei para satisfazer interesses setoriais, criando outra lei. 

IHU On-Line – Nos últimos dias a imprensa tem divulgado notícias sobre a “corrida do ouro” no Pará, e da possível atuação da Belo Sun Mining na região. Como avalia a atuação internacional no território brasileiro? O que essa “corrida pelo ouro” significa e quais as implicações disso para o Brasil?
Telma Monteiro– É muito estranho a gente achar alguns sites de grandes empresas internacionais de mineração com chamadas para os investimentos em minas de ouro no Brasil. Empresas como Eldorado Gold, Belo Sun Mining,Brazilian Gold e International Goldfields estão disputando palmo a palmo concessões na região do rio Tapajós, no rioTeles Pires e no rio Juruena ondes serão construídas ao todo mais de 20 hidrelétricas e outro tanto de PCHs. 
Na região do Teles Pires-MT, Província Mineral de Alta Floresta, a australiana International Goldfields adquiriu, em 2011, 90 % dos direitos minerários de uma área de 3,250 km². 
Enfim, parece que estamos tendo mesmo uma nova “corrida pelo ouro” no Brasil. As implicações só conheceremos, espero que não, se forem aprovados os projetos do governo para minerar em terras indígenas e unidades de conservação. Até lá a sociedade deve ficar atenta.

De IHU

BELO MONTE: Comissão da CSP-Conlutas vai a Belo Monte defender a libertação de operários presos em conflito trabalhista

Uma comissão de representantes da CSP-Conlutas vai a Altamira visitar e defender a libertação dos operários presos no conflito trabalhista ocorrido no canteiro das obras da Usina de Belo Monte. A comissão chega a Altamira nessa terça-feira, 20, com uma formação de pelo menos dois sindicalistas, uma advogada e o vereador eleito pelo PSTU em Belém, Cléber Rabelo. 
Segundo o membro da Secretaria Executiva da CSP-Conlutas Atnágoras Lopes, o motivo da visita é “colocar a central na defesa da libertação dos operários presos, apoiar a luta e as reivindicações dos trabalhadores e denunciar a criminalização dos movimentos sociais que se intensifica, também, nas obras do PAC”.
Em plena data-base e sem informações sobre o andamento das negociações, os trabalhadores iniciaram uma revolta que começou na sexta-feira, 9 de novembro, e teve como consequência quatro galpões de materiais elétricos destruídos. Segundo os operários dos canteiros de obras de Altamira, a imprensa tentou abafar o ocorrido e apenas em uma radio local, pela madrugada, o episódio foi divulgado.
A explosão da greve começou quando o sindicato (SINTEPAV-PA) visitou, no sábado, 10 de novembro, o canteiro de “Belo Monte” e “Canais” defendendo como “justa” a proposta do CCBM (Consórcio Construtor Belo Monte), que oferecia um reajuste de 11% para a primeira faixa salarial, 6% para segunda e 4% para as últimas. Um clima de insatisfação tomou conta dos operários e quando o sindicato chegou ao “Pimental”, os operários já sabiam da proposta e revoltaram-se frente à postura da entidade.
A proposta apresentada pelo CCBM, defendida pelo sindicato, também não atendia a reivindicação referente à “baixada” (folga para visitar as famílias). Os operários querem uma folga a cada 90 dias de trabalho e de não de seis meses como foi oferecido.
Segundo notícias divulgadas na imprensa, tão logo o SINTEPAV-PA chegou ao “Sitio Pimental” defendendo a proposta, os operários se revoltaram e uma sequência de atos violentos foram desencadeados durante o conflito. Cinco operários foram presos.
Conforme publicou a Agência Brasil, a Superintendência da Polícia Civil de Altamira trabalha com a hipótese de que os cinco operários presos são ligados à “CSP-Conlutas” – mas não há provas de que a Central premeditou a ação. O membro da CSP-Conlutas Atnágoras afirma que os operários não tem ligação com a entidade sindical, mas diante da prisão a Central lutará pela libertação desses trabalhadores.
“Não podemos aceitar que todas as vezes que os operários se mobilizam por melhores condições de trabalho e de salários, ao final, só sobre para a gente, a criminalização do movimento. É prisão, é demissão, é tropa da Polícia Militar, da Força Nacional de Segurança. Chega! Essa é uma questão trabalhista, estamos ao lado da luta desses operários, por isso vamos à Altamira, não vamos nos esconder”, afirma o dirigente da CSP-Conlutas.
A Central vai exigir do governo Dilma Rousseff que intervenha e assuma sua responsabilidade diante desse caos que se impõe a vida de quem trabalha nessas grandes obras.
O vereador eleito em Belém Cléber Rabelo, operário da construção civil, disse os cinco trabalhadores foram presos pela Polícia Militar a mando dos empreiteiros. “Também há denúncias, ainda não confirmadas oficialmente, de que tem ocorrido mortes em função das péssimas condições de segurança no trabalho desde o início das obras”, disse.
Rabelo diz que os trabalhadores de Belo Monte não são vândalos e estão lutando por direitos. “Esses operários são seres humanos corajosos, que mesmo com a traição e a falta de democracia de sua entidade sindical, são capazes de se organizar para lutar e paralisar um monstro que está acabando com suas vidas, mesmo contra a vontade de sua representação sindical”, conclui.

Todo apoio à luta dos operários de Belo Monte;

Não à criminalização dos movimentos social;

Liberdade aos operários presos.

*Socializado pela Secretaria Nacional da CSP CONLUTAS

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Kaiowá e Guarani denunciam Veja por racismo e exigem direito de resposta

Alvos de reportagem da Revista Veja no último dia 4, indígenas Guarani e Kaiowá lançaram nesta quarta-feira, 14, uma carta pública exigindo o direito de resposta na publicação. Afirmam, também, que irão encaminhar denúncia de racismo e estímulo ao ódio ao Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS). A carta foi coassinada por cerca de cinquenta organizações.

A matéria, assinada por Leonardo Coutinho e Kalleo Coura e publicada nas versões impressa e virtual da revista, foi considerada discriminatória pelos indígenas. Segundo a carta, a Veja "não perdeu 'a oportunidade de apresentar, mais uma vez, a imagem dos Guarani e Kaiowá como seres incapazes, como [se] nós indígenas não fossemos seres humanos pensantes. Fomos considerados como selvagens e truculentos'", afirmam.
Um abaixo-assinado exigindo direito de resposta será enviado ao MPF-MS.

Leia o documento na íntegra:



Revista Veja: direito de resposta aos Guarani-Kaiowá já

“A escrita, quando você escreve errado, também mata um povo”. Assim afirmaram os professores Guarani-Kaiowá a respeito do que foi publicado na revista Veja, em 4 de novembro, sobre a luta de seu povo pelos seus territórios tradicionais.
Sob os títulos de “A ilusão de um paraíso” e "Visão medieval de antropólogos deixa índios na penúria" (nas versões impressa e virtual, respectivamente), a reportagem parte de uma visão: i) claramente parcial no que diz respeito à situação sociopolítica e territorial em Mato Grosso do Sul, pois afirma que os indígenas querem construir “uma grande nação guarani” na “zona mais produtiva do agronegócio em Mato Grosso do Sul”; ii) deliberadamente distorcida quanto à atuação política dos grupos indígenas supracitados e dos órgãos atuantes na região, desmoralizando os primeiros ao compará-los, ainda que indiretamente, a “massas de manobra” das organizações supostamente manipuladoras e com uma “percepção medieval do mundo”; iii) irresponsável e criminosa, por estimular medo, ódio e racismo, como se vê no seguinte trecho: “o resto do Brasil que reze para que os antropólogos não tenham planos de levar os caiovás (sic) para outros estados, pois em pouco tempo todo o território brasileiro poderia ser reclamado pelos tutores dos índios”. 
A reportagem, assinada pelos jornalistas Leonardo Coutinho e Kalleo Coura, não perdeu "a oportunidade de apresentar, mais uma vez, a imagem dos Guarani e Kaiowá como seres incapazes, como [se] nós indígenas não fossemos seres humanos pensantes. Fomos considerados como selvagens e truculentos", conforme escreveu o Conselho da Aty Guasu, a assembleia Guarani e Kaiowá, em nota pública lançada no último dia 5.
O documento repudia "a divulgação e posição racista e discriminante" do texto e reafirma a autonomia organizativa e política Guarani e Kaiowá na luta pela recuperação dos territórios. "A Luta pelas terras tradicionais é exclusivamente nossa. Nós somos protagonistas e autores da luta pelas terras indígenas. [E] nós envolvemos os agentes dos órgãos do Estado Brasileiro, os agentes das ONGs e todos os cidadãos (ãs) do Brasil e de outros países do Mundo", afirmou a Aty Guasu. Ali também denuncia o tratamento difamatório na reportagem, reiterada na nota da Comissão de Professores Guarani-Kaiowá ao indicar que, propagando o ódio contra os indígenas, "a matéria quer colocar um povo contra outro povo. Quer colocar os não-índios contra os indíos. Essa matéria não educa e desmotiva. Ao invés de dar vida, ela traz a morte".
A conjuntura em que estão inseridos os Kaiowá e Guarani lhes é extremamente desfavorável. Num momento em que se procura gerar uma negociação que busque superar os conflitos entre indígenas e fazendeiros no Mato Grosso do Sul, a revista teima em incendiar os ânimos de seus leitores ruralistas. A matéria carrega em si uma série de falhas na apuração das informações, apresentando fatos falsos ou distorcidos:
1. A reportagem expõe e reforça uma imagem distorcida e estigmatizada dos indígenas como dependentes de órgãos púbicos e privados, usuários de drogas e reféns dos interesses de indivíduos ou organizações exógenas às comunidades. Essa imagem estimula o racismo, o ódio e preconceito contra indígenas, problema histórico no Brasil, em geral, e no Mato Grosso do Sul, em particular, podendo intensificar a tensão e a violência já sofrida pelo povo Guarani-Kaiowá. 
2. Aciona, também, preconceito contra a sociedade não-indígena, quando afirma que a população apoiadora da causa é manipulada, conforme explicitado na nota da Aty Guasu: a "(...) REVISTA VEJA considera que esses cidadãos (ãs) manifestantes seriam ignorantes e não conheceriam as situações dos Guarani e Kaiowá, os tachando de ignorantes aos cidadãos (ãs) em manifestação". Há também uma passagem de sexismo sugestivo no texto, citando mulheres que "não perderam a chance de protestar de peito aberto diante das câmeras"
3. Omite a verdade quando ignora de maneira retumbante os posicionamentos públicos dos indígenas Guarani-Kaiowá organizados em sua assembleia maior, a Aty Guasu
4. Deturpa de maneira generalizada o conteúdo da carta dos Kaiowá de Pyelito Kue, imputando suas denúncias a organizações exógenas e creditando ao Cimi sua autoria e divulgação. A reportagem, no mínimo, não atentou às datas de divulgação do carta, escrita de próprio punho por lideranças de Pyelito Kue e endereçada à Aty Guas no dia 9 de novembro. Deturpações como essa são usadas para corroborar a tese de que os Kaiowá são "manipulados" pelo Cimi, pelos antropólogos e pela Funai;
5. Não foram checadas informações e acusações. As organizações citadas no texto, notadamente o Conselho Indigenista Missionário, nunca foram questionadas pela reportagem sobre as informações e acusações;
6. Uso de fonte questionável. O antropólogo citado na matéria, Edward Luz, não é pesquisador dos Guarani e Kaiowá, sequer do Mato Grosso do Sul. É, sim, missionário evangélico, membro do Conselho Consultivo do Instituto Antropos, diretor da Associação das Missões Transculturais Brasileiras (AMTB), vinculada à Missão NovasTribos do Brasil, o braço brasileiro da ONG internacional New Tribes Mission, organização que já foi expulsa ou impedida de entrar em diversas aldeias indígenas pelo órgão indigenista oficial brasileiro, a Fundação Nacional do Índio. É a mesma fonte, também, de outras matérias na revista com o mesmo teor antiíndigena;
7. Houve ma-fé no uso de informações desmentidas há tempos. As informações destacadas no mapa sobre a dita "Nação Guarani" - que revisaria limites territoriais nacionais e internacionais - e a demarcação contínua das terras do sul do Estado do Mato Grosso do Sul já foram desmentidas por indígenas e posteriormente por antropólogos e pela própria Funai, e novamente pelos indígenas durante as agendas de audiências públicas no Congresso Nacional na última semana.
8. Uso de apenas uma linha de entrevista, de maneira descontextualizada, com um único indígena - mesma fonte da matéria anterior sobre os Kaiowá e Guarani - no sentido de sugerir concordância com o texto conclusivo da matéria.
9. Exposição indevida da imagem de crianças indígenas em fotografia utilizada para ilustrar reportagem preconceituosa, com contornos sensacionalistas, ofensivos e que faz juízo de valor depreciativo de sua comunidade.
Dessa forma, o Conselho da Aty Guasu, grande assembléia dos povos Guarani Kaiowá, em conjunto com as demais organizações signatárias, vem a público denunciar a postura criminosa da Revista Veja.
A Aty Guasu Guarani e Kaiowá e a Comissão de Professores Guarani e Kaiowá exigem a investigação rigorosa e punição cabível dos responsáveis, bem como o direito de resposta aos Guarani e Kaiowá na revista Veja. Tais demandas também farão parte de Representação ao Ministério Público Federal para que este, dentro de suas competências constitucionais, tome as medidas necessárias. A imprensa é livre para se posicionar da forma que bem entenda - no entanto, os "fatos" que norteiam a reportagem citada são falsos. Não se trata de uma questão de opinião, e, sim, de irresponsabilidade. Os povos Guarani e Kaiowá já foram vitimados suficientemente por irresponsabilidades.

Dourados, 14 de novembro de 2012
Conselho Aty Guasu (Grande Assembleia do povo Guarani e Kaiowá)
Comissão de Professores Kaiowá e Guarani
Campanha Guarani

Coassinam:
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, MG e ES (APOINME)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Associação Brasileira de Etnomusicologia (ABET)
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR)
Ação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ-BA)
Amigos da Terra Brasil
Associação Aritaguá
Associação de Moradores de Porto das Caixas
Associação Socioambiental Verdemar
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Conselho Federal de Psicologia (CFP)
Conselho Indígenista Missionário (Cimi)
Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES)
Central Única das Favelas (CUFA-CEARÁ)
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA)
Centro de Cultura Negra do Maranhão
Coordenação Nacional de Juventude Negra
Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (CEPEDES)
Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT)
Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)
CRIOLA - RJ
EKOS - Instituto para a Justiça e a Equidade - São Luís - MA
Fórum da Amazônia Oriental (FAOR)
Fase Amazônia
Fase Nacional - Núcleo Brasil Sustentável
Frente em Defesa da Amazônia (FDA)
FIOCRUZ
Fórum Carajás - São Luís - MA
Fórum de Defesa da Zona Costeira do Ceará
FUNAGUAS - Terezina - PI
Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)
Grupo Pesq. em Sustentabilidade, Impacto e Gestão Ambiental (UFPB)
Grupo Pesq. em Educação Ambiental da (GPEA/UFMT)
Grupo Pesq. Historicidade do Estado e do Direito (UFBA)
Justiça Global
IARA - RJ
Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
Instituto Socioambiental (ISA)
Instituto para a Justiça e a Equidade (EKOS)
Instituto da Mulher Negra (GELEDÉS)
Instituto Nacional de Estudos Sócio-Econômicos (INESC)
Instituto Búzios
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Instituto Terramar
Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB)
Inst. Nac. de Ciência e Tec. de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI)
Justiça Global
Mestrado Prof. em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Indígenas (CDS/UnB)
Movimento Brasil pelas Florestas
Movimento Cultura de Rua (MCR) - Fortaleza - CE
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Cultura de Rua (MCR)
Movimento Inter-Religioso (MIR/Iser)
Movimento Popular de Saúde de Santo Amaro da Purificação (MOPS)
Movimento Wangari Maathai
Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (Universidade Federal de São João del-Rei) – São João del-Rei – MG
Núcleo TRAMAS (Trabalho Meio Ambiente e Saúde para Sustentabilidade/UFC) – Fortaleza – CE
Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego – Macaé – RJ
Omolaiyè (Sociedade de Estudos Étnicos, Políticos, Sociais e Culturais) – Aracajú – SE
ONG. GDASI – Grupo de Defesa Ambiental e Social de Itacuruçá – Mangaratiba – RJ
OcupaBelém
OcupaSampa
Opção Brasil – São Paulo – SP
Oriashé Sociedade Brasileira de Cultura e Arte Negra – São Paulo – SP
Plataforma Dhesca Brasil
Projeto Recriar – Ouro Preto – MG
Rede Axé Dudu – Cuiabá – MT
Rede Matogrossense de Educação Ambiental – Cuiabá – MT
Rede Jubileu Sul Brasil
Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP)
Sociedade de Melhoramentos do São Manoel – São Manoel – SP
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)
Terra de Direitos - Organização de Direitos Humanos
TOXISPHERA – Associação de Saúde Ambiental – PR