Nas últimas semanas, além do futebol de sempre, dois
assuntos ocuparam as manchetes: o julgamento do chamado "mensalão" e,
na campanha eleitoral em São Paulo, o programa de combate à homofobia,
grotescamente apelidado de "Kit Gay". Quase nenhuma importância se
deu a uma espécie de testamento de uma tribo indígena.
A reportagem é de Bob Fernandes e publicado pelo Terra Magazine,
23-10-2012.
A Justiça Federal decretou a expulsão de 170 índios da terra em que vivem. Isso
no município de Iguatemi, no Mato Grosso do Sul, à margem do Rio Hovy. Isso
diante de silêncio quase absoluto da chamada grande mídia. (Eliane Brum trata longamente do assunto no site da revista Época nesta segunda-feira, 22). Há duas semanas, numa
dramática carta-testamento, os Kaiowá-Guarani informaram:
- Não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui, na
margem do rio, quanto longe daqui. Concluímos que vamos morrer todos. Estamos
sem assistência, isolados, cercados de pistoleiros, e resistimos até hoje (…)
Comemos uma vez por dia.
Em sua carta-testamento os Kaiowá-Guarani rogam:
- Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de
despejo/expulsão, mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos aqui.
Pedimos para decretar nossa extinção/dizimação total, além de enviar vários
tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar nossos corpos. Este
é o nosso pedido aos juízes federais.
Diante dessa história dantesca, a vice-procuradora Geral da República, Déborah
Duprat, disse: "A reserva de Dourados é (hoje) talvez a maior tragédia
conhecida da questão indígena em todo o mundo".
Em setembro de 1999, estive por uma semana na reserva Kaiowá-Guarani, em
Dourados. Estive porque ali já se desenrolava a tragédia. Tragédia diante de um
silêncio quase absoluto. Tragédia que se ampliou, assim como o silêncio. Entre
1986 e setembro de 1999, 308 índios haviam se suicidado. Em sua maioria, índios
com idade variando dos 12 aos 24 anos.
Suicídios quase sempre por enforcamento, ou por ingestão de veneno. Suicídios
por viverem confinados, abrutalhados em reservas cada vez menores, cercados por
pistoleiros ou fazendeiros que agiam, e agem, como se pistoleiros fossem.
Suicídios porque viver como mendigo ou prostituta é quase o caminho único para
quem é expelido pela vida miserável nas reservas.
Italianos e um brasileiro fizeram um filme-denúncia sobre a tragédia. No
Brasil, silêncio quase absoluto; porque Dourados, Mato Grosso, índios… isso
está muito longe. Isso não dá ibope, não dá manchete. Segundo o Conselho
Indigenista Missionário, o índice de assassinatos na Reserva de Dourados é de
145 habitantes para cada 100 mil. No Iraque, esse índice é de 93 pessoas para
cada 100 mil.
Desde fins de 1999, quando, pela revista Carta Capital, estive em Dourados com
o fotógrafo Luciano Andrade, outros 555 jovens Kaiowá-Guarani se
suicidaram no Mato Grosso do Sul, descreve Eliane Brum. Sob aterrador e
quase absoluto silêncio. Silêncio dos governos e da chamada mídia. Um silêncio
cúmplice dessa tragédia.
Do IHU
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