Obras da usina Santo Antônio, rio Madeira, RO
O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDEE) 2021[2] já
está disponível para consulta pública e, no que concerne à energia elétrica,
ele prevê aumento da demanda com o crescimento alavancado pelo petróleo do
Pré-Sal e pelos eventos esportivos de 2014 e 2016. O PDEE 2021 aposta num
crescimento do PIB de 4,7% ao ano nos próximos 10 anos, contrariando todos os
prognósticos dos economistas. Mas, como esse plano é elaborado apenas por
empresas, instituições, associações e autoridades do governo do setor elétrico,
não é de espantar que as projeções que dele constam sejam pródigas em
pontificar a necessidade de projetos hidrelétricos.
Em mais uma edição, Plano Decenal de Expansão de Energia
(PDEE) é uma peça de ficção do planejamento energético brasileiro projetado
para os próximos 10 anos, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e
a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com a colaboração de empresas e agentes
do setor energético. No final do texto, podem-se encontrar os agradecimentos
aos membros da "Nomenklatura" do setor que manda no Brasil. Cerca de
150 empresas nacionais, transnacionais, entre elas Vale, Petrobras, Odebrecht,
Brasken, Eletrobras, Eletronorte, Furnas e associações do setor como ABRACE,
APINE, BRACELPA e instituições governamentais, participaram do planejamento
energético do país.
Procurei na lista os nomes das organizações da sociedade
civil, pesquisadores e ambientalistas, especialistas da academia e
representantes daqueles que sofrem na carne os impactos das políticas do MME
calcadas em premissas mirabolantes de crescimento econômico desacompanhado de
sustentabilidade. Procurei, também, alguma menção à Rio+20 ou, como bem
disseram alguns, à Rio-40 sobre "O futuro que queremos", e só
encontrei, enveredando pelas 386 páginas do Plano, "O futuro que eles
querem".
A título de esperança, o PDEE traz apenas uma trégua nos
planos de novas termonucleares, que foram postergados para um futuro além da
abrangência deste Plano e que dependem da escolha de "locais propícios"
entre as regiões brasileiras. Isso não quer dizer que o planejamento de mais
usinas nucleares esteja descartado, mas apenas que aqui elas não estão sendo
cogitadas. Vale uma reflexão e preocupação sobre o que os elaboradores
consideram como "locais propícios" no Brasil ou neste nosso planeta.
Angra III, no entanto, continua sendo construída.
Quanto às mudanças climáticas, o PDEE informa que o Decreto
7390/2010[3] decidiu que, no setor de energia, o responsável pela ação de
prevenção e controle do desmatamento nos biomas e planos setoriais de mitigação
e de adaptação às mudanças climáticas é o PDEE. Essa responsabilidade parece
incompatível com o planejamento que tem sido proposto nos planos decenais.
O grande engodo deste PDEE 2021 é a pretensão de inserir
entre seus objetivos o atendimento de metas específicas de emissões de gases de
efeito estufa, (des)considerando que o Plano prevê um crescimento da geração de
energia por hidrelétricas em 40% e por Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs)
em 56% até 2021. Mais absurdo ainda é a geração de energia por termelétricas,
que crescerá 52%, o que é incoerente com a proposta do Decreto 7390.
Premissas ou justificativas?
O PDEE continua pregando otimismo para tentar justificar o
aumento da oferta de energia elétrica no próximo decênio. A equação aumento da
população ativa versus aumento do consumo em ritmo maior não prevê campanhas de
uso consciente de energia. No entanto, a presidente Dilma Rousseff acena com
descontos na conta de luz, o que vai contribuir ainda mais com o aumento do
consumo.
Com uma previsão de aumento de domicílios particulares de 62
milhões para 77 milhões em 2021, o PDEE 2021 considera que os grandes vilões do
consumo são a população que utiliza equipamentos eletrodomésticos e o
"sucesso" do Programa Luz para Todos. Apesar disso, programas de
substituição dos chuveiros elétricos e incentivo ao uso de energia solar em
novos empreendimentos de moradia social não estão previstos no Plano. Vai
aumentar o endividamento da população. É crescimento sem desenvolvimento.
O setor industrial, que congrega as indústrias
eletrointensivas (alumínio – inclusive alumina e bauxita, siderurgia – aço
bruto, ferroligas, pelotização, cobre, celulose e papel, soda-cloro,
petroquímica e cimento), é responsável por utilizar 40% do consumo industrial
de energia elétrica. O Plano também prevê um aumento considerável de consumo no
setor eletrointensivo.
A alternativa fotovoltaica não foi sequer considerada no
horizonte do PDEE.
O capítulo sobre geração de energia elétrica reafirma o
objetivo do governo federal em perseguir a integração energética entre os
países latino-americanos, com a maciça atuação de grandes empreiteiras,
Eletrobras e subsidiárias na elaboração de estudos de aproveitamentos hidrelétricos
em diversos países. Sob a lógica reversa de considerar a hidroeletricidade como
"energia renovável e de baixo custo" – custo baixo que não considera
a destruição dos ecossistemas, o aumento do desmatamento, a invasão e
destruição da vida dos povos indígenas e das populações ribeirinhas, as
mudanças climáticas, as emissões de metano, as alterações dos regimes de vazões
dos rios, o inchaço das cidades -, o PDEE 2021 planeja uma escalada sem
precedentes sobre os "potenciais" do Peru, Bolívia, Guiana, Argentina
e Uruguai.
O planejamento do
parque gerador hidrelétrico apresenta novos projetos, num total de 19.673 MW,
que serão viabilizados entre 2017 e 2021. Estão listadas no PDEE oito grandes
usinas na região Norte, nos rios Teles Pires, Araguari, Tapajós, Branco,
Tocantins e Juruena, e outras dez nas demais regiões. Sem considerar aquelas já
licitadas e em construção, como as duas no rio Madeira, Estreito no rio
Tocantins, Belo Monte, no rio Xingu, que têm previsão de início de operação até
2016. As usinas planejadas para o rio Tapajós, São Luiz do Tapajós e Jatobá
constam como "estratégicas de interesse público, estruturantes e
prioritárias para efeito de licitação e implantação, conforme Resolução CNPE
Nº3 de maio de 2011 ".
O gráfico 21 mostra que o PDEE prevê um aumento da
capacidade instalada de hidrelétricas, usinas contratadas e planejadas de 2012
a 2021, e que essa expansão seria especialmente na Amazônia.
O PDEE assume que as hidrelétricas nas bacias hidrográficas
da região Norte e Centro-Oeste são um grande potencial a ser explorado para
atender à crescente demanda de eletricidade do país, mesmo com todos os
problemas socioambientais inerentes.
Não ficam dúvidas sobre a terrível realidade que a expansão
dos empreendimentos hidrelétricos pode impor à Amazônia. O PDEE, no entanto,
não se satisfez em apresentar esse destino funesto, mas deixa no ar que a
concretização do Plano depende da emissão das Licenças Prévias Ambientais. Sem
elas, haveria atraso dos projetos hidrelétricos e uma "expansão
concentrada em projetos termelétricos" se imporia para atender à demanda.
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